O trabalho proposto pela Associação Internacional dos Exorcistas não deixa de causar espanto pela clareza e naturalidade com que testemunha os erros, distorções e abusos mais comuns que exorcistas têm praticado e apresentado em seus best-sellers, desde o sadismo de incentivar a provocação contínua de dor e incômodo no demônio (entenda-se: na pessoa) até a pressuposição do direito de legislar e decidir sobre o diagnóstico clínico da autoridade médica. Se é que desejava, o texto não logra êxito em mitigar o descaso quase absoluto pela ciência e o apreço por tradições paralelas e contraditórias à prudência eclesial.
Em uma revisão cuidadosa poderão ser elencadas crendices obtusas, além de distorções, contradições e clara incitação a desobediência à hierarquia eclesiástica, em flagrante desacordo com a última edição do Rituale Romanum.
Texto: Márcio Carvalho (extraído de sua obra “Desmitificando anjos & demônios – História, teologia e ciências”)
Notas e comentários de Mario Umetsu
O objetivo deste livro é claro pelo seu título. Contudo ele é mais extenso, pretendendo ser um tratado de demonologia. A edição brasileira faz questão de ostentar (nas capas, na apresentação, na nota do tradutor) as aprovações eclesiásticas, tornando o conteúdo “ainda mais digno de autoridade”, “instruções precisas e seguras”, “genuína doutrina exorcística católica”. Contudo, o prefácio do Cardeal De Donatis, Vigário de Roma, esclarece que “as presentes diretrizes da Associação Internacional dos Exorcistas não são um texto do Magistério autêntico da Igreja, nem têm a força de uma disposição disciplinar emanada pela Autoridade eclesiástica”; “as Diretrizes permanecem um documento privado, reservado para o uso interno dos associados à AIE”, devendo o exorcista se submeter, em primeiro lugar, à autoridade local competente.
A segunda Apresentação, do Pe. Francesco Bamonte, ICMS, é um longo capítulo introdutório que resume uma demonologia bíblica. O segundo subtítulo desta Apresentação fala da “atividade exorcística de Jesus como parte essencial de seu ministério messiânico”. Os subtítulos seguintes pretendem provar o anterior, afirmando que Jesus “distingue muito bem entre pessoas simplesmente doentes e pessoas possessas”. Ele afirma que “os Evangelhos revelam claramente que a Redenção de Cristo não é só libertação do homem do pecado, mas também das criaturas demoníacas”. Conforme demonstramos em nosso trabalho, cremos que essas afirmações são no mínimo exageradas.
O capítulo I trata de Deus e sua Providência, onde se fala do mistério do mal, e o capítulo II fala do diabo e seus anjos, de sua existência, queda e possibilidade de ação, com bastantes citações, sem comentários ou aprofundamentos. O capítulo III fala da ação ordinária do maligno, que é a tentação, e o IV fala da ação extraordinária, que é a que causa danos físicos. Como reconhecem que o ritual só usa os termos vexatio e obsessio, como sinônimos, e também não usa nenhum termo para ação em coisas e lugares, a AIE propõe terminologia própria:
- Possessão: Controle despótico do corpo humano, “presença permanente de um ou mais demônios em um corpo humano”. Ao explicar esse conceito, tenta diferenciar do que em psiquiatria se chama distúrbio de personalidade, mas o faz afirmando que na doença “o sujeito é sempre o mesmo”, enquanto na possessão é uma entidade estranha que assume o controle em lugar do “eu” humano.
- Obsessão: atormentação do demônio na esfera psíquica, dirigida à imaginação, principalmente. Afirma-se até que, por força do vínculo entre sentidos internos com o intelecto e a vontade, estes são, “indiretamente, tomados de assalto e atormentados”.
- Vexação: tormento físico do homem. Neste ponto, afirma-se a realidade dos pactos com o demônio e das relações sexuais chamadas íncubos e súcubos [1]. Como argumento, citam a experiência de “santos canonizados e por numerosas vítimas, homens e mulheres, seja no passado, seja no presente”.
- Infestação: ação demoníaca dirigida a objetos ou coisas, inclusive animais, que servem aos homens. Começam a definição afirmando que o Ritual “afirma claramente” esta possibilidade, enquanto, na verdade, a “Súplica e exorcismo que podem utilizar-se facultativamente em circunstâncias peculiares da Igreja” pode ser usada “se o Bispo diocesano, em circunstâncias peculiares, considerar oportuno promover reuniões dos fiéis para orar, sob a direção e orientação do sacerdote”; trata-se, portanto, não de um exorcismo de objeto ou lugar, mas uma celebração comunitária para “repelir os ataques da insídia diabólica” e “libertar-nos das ciladas, enganos e malícia do inimigo e de todo o poder dos espíritos infernais”.
O capítulo V, intitulado “Causas da ação extraordinária do maligno”, embora inicie tratando do mistério da permissão de Deus para o mal e reconheça que também os inocentes podem ser vítimas do mal, inclusive possessão, ousam enumerar as situações de pecado que são “causas ocasionais que podem predispor e favorecer o perdurar da ação extraordinária do demônio”, de acordo com o que a “experiência exorcística constatou” [2]. Dentre elas: pecados mortais jamais confessados, graves injustiças cometidas, atentar contra a fé dos pequenos, sessões espíritas, ocultistas, esotéricas, etc., amuletos, souvenires mágicos, técnicas e terapias new age, músicas satânicas ou imorais, etc.
O capítulo VI trata do “malefício como possível causa da ação extraordinária do maligno”, ou seja, a arte de causar mal aos outros. O argumento usado são as revelações dos “possessos” e dos “demônios”. A AIE, portanto, ensina textualmente a crer na eficácia de magia, feitiço, vodu, rogar pragas, mau olhado, pactos, etc., coisa considerada herética [3], como demonstramos em nosso estudo. Se ainda não o fizemos, observamos que essas coisas podem eventualmente provocar algum malefício real por sugestão [4], não porque o homem seja capaz de provocar o sobrenatural ou que o demônio obedeça às palavras ou rituais dos homens. Nas indicações práticas, dizem que o exorcista pode utilizar o rito para “circunstâncias peculiares”, citado acima, “para exorcizar os objetos maleficiados”, coisa que o ritual não diz. Recomendam ainda queimar tais objetos ou “descartar em rios e cursos de água corrente”; prática que, a meu ver, reforça o medo e a superstição.
Curiosamente, o capítulo VII trata da superstição, com numerosos exemplos e definições.
O capítulo VIII, chamado “A libertação da ação extraordinária do maligno: suas notas essenciais e possíveis erros”, é uma introdução ao tema do exorcismo, do capítulo seguinte. Afirma-se que a verdadeira “libertação da ação extraordinária do maligno é, em sentido estrito, um milagre”, por isso deve ser constatável empiricamente, não devido a causas naturais ou preternaturais, operada pelo próprio Deus. Toda a explicação é confusa, porque esses sinais são bastante subjetivos, diferente da constatação de verdadeiros milagres.
O capitulo IX explica o que é exorcismo e suas modalidades. O capítulo X fala do ministério do exorcista.
O capítulo XI fala do Novo Ritual como instrumentum do exorcista. Um parágrafo chama a atenção e nos pareceu ter sido a razão para a elaboração dessas Diretrizes: diz-se que o Rituale Romanum não foi ab-rogado, por isso deve ser usado em situações em que o Novo Ritual não oferece indicações. Ou seja, o exorcista pode achar as indicações do ritual anterior melhores, se quiser, e também recorrer à “prática consolidada”. Tal é a razão para orientações estranhas como algumas já citadas acima e tantas outras a seguir.
Nesse espírito, o capítulo XII vai falar dos critérios gerais de discernimento para aplicação do exorcismo, mas o capítulo XIII, critérios particulares, recorre mais à “prática consolidada” do que à sobriedade e prudência do Ritual vigente. Faz-se uma distinção entre sinais evidentes (coisa que o ritual não faz) e sinais prováveis, e diz que o que caracteriza o sinal evidente é o não poder explicá-lo totalmente com causas naturais (ou seja, é subjetivo, não evidente). A seguir, trata de cada um dos sinais que constam no Ritual (como possíveis indícios), tratando-os como sinais evidentes. Diz também que a “aversão ao sacro” é “comumente considerado o mais típico da possessão diabólica”. Elenca alguns outros sinais curiosos:
- “Cair no chão como morto […] mas levantar-se sem demora ao comando tácito feito pelo exorcista ao demônio” [5];
- “manifestação repentina […] de uma dor e/ou de um inchaço [… que] desaparecem, mas que à sucessiva ordem tácita do exorcista (o qual comanda silenciosamente que tais sintomas reapareçam), tornam-se novamente presentes”;
- “Se um homem […] quer infligir-se a morte […] mas não recebe dano algum (está presente, de fato, um demônio que quer esses males e os procura, mas Deus impede […])”;
E muitos outros. Em vários desses sinais, coloca-se a condição de que a tal pessoa seja anteriormente “sã de mente e de corpo”, mas até aqui não se falou da necessidade prévia de diagnóstico médico. Aqui, quem parece julgar é o próprio exorcista. Entre os sinais, é comum também alguns contraditórios, como o poder das bênçãos e outros sacramentais: ora causam alívio, ora aversão [6].
O capítulo é longo; resumindo: todos os sinais têm causa natural possível, mas as Diretrizes deixam o juízo para o exorcista. O médico ou outro cientista, quando citados, ficam como diagnóstico complementar, e submetidos também ao juízo do exorcista [7].
O capítulo XIV, Eficácia do exorcismo, diz que o exorcismo segundo os ritos aprovados são suficientes por si mesmos, não sendo necessário ajuntar outras práticas durante ele. Sua eficácia depende completamente da ação de quem opera, é sempre eficaz “para obter a expulsão do demônio de uma pessoa possessa, ou atenuar a ação diabólica”. Requer-se que o fiel que recebe o exorcismo seja “uma pessoa senhora de si, e que tenha a intenção, ao menos virtual, de recebê-lo”. Se o exorcismo não é eficaz, é porque não se cumpriu os requisitos, ou porque Deus “não quis que o exorcismo alcançasse seu pleno efeito”.
O capítulo XV retoma o tema dos “instrumentos peculiares do discernimento da ação diabólica extraordinária” e reafirma-se que a “aversão ao sacro [é] o sinal mais evidente da ação diabólica extraordinária”. Elencam a oração, a Palavra de Deus e os sacramentais como instrumentos peculiares do discernimento. Embora em um ponto (n. 318) afirme que o exorcista não deve buscar a presença do maligno ou fazer emergir sinais, o n. 320 diz que esses instrumentos são suficientes para fazer emergir sinais da presença demoníaca; em seguida, segundo a “experiência de séculos”, esses sinais serão apenas prováveis e a evidência se dará “apenas se for utilizado o próprio exorcismo como meio resolutivo de discernimento”, coisa já proibida. As Diretrizes têm ciência desta proibição, mas insistem na “tradição exorcística” elencando testemunhos precedentes ao ritual vigente, inclusive acrescentando o interrogatório do obsesso para saber “por quais palavras os diabos sejam mais perturbados”, recorrendo a comandos tácitos. Recomendam até um falseamento do rito: “Pode-se completar o discernimento recorrendo ao exorcismo público, celebrado não com a intenção de expulsar o demônio, mas de obrigá-lo, se presente, a manifestar-se”. Em um mesmo parágrafo se diz que a obediência do demônio é sinal evidente, mas a não obediência, quando o “demônio” recusa, também é. Este capítulo é um dos mais longos e mais contraditórios, tanto porque parece ser necessário justificar a desobediência às instruções do novo ritual.
O capítulo XVI fala da necessidade de adequado acompanhamento dos fiéis que pedem para se libertarem do maligno. Em um parágrafo se diz que “depois de o exorcista ter concluído, com a certeza moral, que o fiel que solicitou seu ministério é verdadeiramente vítima de um ataque extraordinário do demônio, este último não deve formar um juízo diferente do juízo do exorcista. Em outras palavras, não deve julgar que sua situação dependa de simples doença ou proceda de outra causa natural qualquer, porque isso obstacularia muito a cura”. O uso do termo “cura” parece um ato falho. Nota-se aqui, e em todo o conjunto das Diretrizes, um grande enaltecimento da superioridade e capacidade do exorcista.
O capítulo XVII trata dos “preceitos dados ao demônio”. Como o novo Ritual reduziu estes somente às fórmulas imperativas do próprio rito, as Diretrizes novamente fazem ampla fundamentação na “prática exorcística” anterior de interrogar “o demônio”, testá-lo, inclusive insistindo nas práticas que forem mais dolorosas e que atormentem mais o fiel: “quando vir que o espírito é mais atormentado, então deve apertá-lo e atormentá-lo mais” [8].
O capítulo XVIII trata das “perguntas ao demônio”, reconhecendo, de início, que o novo Ritual não traz essas recomendações, mas justificam-se na “praxe comum”. Uma das perguntas “atestadas pela tradição exorcística” é questionar os demônios em que dia e hora sairão do possesso, cuja resposta esperada é “não sei”. Também justificam a utilidade dessas perguntas como sendo uma prática para penalizar o demônio, para aprender mais sobre ele, e para “obter do demônio um ato de submissão a Deus”.
O capítulo XIX traz orientações gerais sobre o rito do exorcismo. O XX trata dos auxiliares do exorcismo, figura que não aparece no ritual, mas as Diretrizes tratam como quase um ministério [9].
O breve capítulo XXI trata do “modo de proceder nos casos de simulação”. Traz um preceito prático: “fazer sábio uso dos preceitos, mormente de forma tácita ou em língua ignorada por quem se diz atribulado pelo Maligno, porque a obediência do demônio ao exorcista é uma das provas mais seguras da sua real presença”.
O capítulo XXII é sobre o “modo de proceder nos casos de infestação”, onde se recomenda ao exorcista uma investigação prévia, mas em nenhum momento se investiga causas naturais para os fenômenos; pressupõe-se a atividade demoníaca e resta indagar o porquê de estar acontecendo [7]. Afirma-se, confusamente, que “a causa principal de todo verdadeiro distúrbio diabólico extraordinário é, na maior parte dos casos, o pecado”. Afirma-se que alguns casos podem ser “algo que Deus permite para que almas do Purgatório sejam sufragadas”, doutrina totalmente estranha à fé católica e contraditória com uma própria diretriz anterior, no mesmo capítulo, que admoesta que “não deem fé às pessoas que afirmam que a infestação é produzida por almas do Purgatório ou condenadas”.
O capítulo XXIII é sobre critérios de discernimento para outros sacerdotes não exorcistas. A ênfase é garantir que somente o exorcista pode discernir os casos. Reinsere-se nas diretrizes os temas básicos de demonologia, como coisas que os demais sacerdotes devem saber. Em seguida há um subtítulo “A chamada “parapsicologia”“, apresentando “os graves danos pastorais que podem derivar do uso de seus princípios e suas técnicas” [10]. Nota-se que têm uma noção espírita da parapsicologia, fazendo uma classificação totalmente estranha e arbitrária dos fenômenos. Afirmam, sem razão, que “a comunidade científica e acadêmica é unânime em considerar a parapsicologia uma pseudociência”, mais uma vez tratando os fenômenos como “habilidades”, coisa que só os espíritas fazem. Afirmam também, com imensa confusão metodológica, que “a teologia, baseando-se em princípios que conhece como certos, sempre explicou que a verdadeira causa dos fatos, fenômenos e manifestações não atribuíveis a leis naturais de ordem física ou moral, deve ser identificada ou com uma intervenção de Deus ou com um agir demoníaco”. O último parágrafo confirma que o preconceito vem da prática de alguns exorcistas consultarem psicólogos “paragnósticos”, na verdade espíritas.
Concluímos que as “Diretrizes para o ministério do exorcismo à luz do ritual vigente” extrapola seu justo objetivo, desprezando o ritual vigente, desconsiderando o desenvolvimento da doutrina, da teologia e das ciências, recomendando muitas práticas ultrapassadas e doutrinas estranhas. Presta um desserviço à formação dos exorcistas, exaltando autoridade e qualidades que não têm, e alimentam a superstição, a crendice e o medo nos fiéis.
NOTAS
[1] Parece serem muitos raros os exorcistas escritores que reconhecem os mecanismos fisiológicos da paralisia do sono. Não causa espanto considerar que os tais demônios inccubus e succubus operem seus “serviços” exclusivamente em meio ao sono ou no período noturno, momento preciso para que a consciência vigil fique imersa na fantasia e atinja-se o sono REM, onde todo tipo de alucinação hipnagógica é possível para aquele que acorda mas não acorda completamente. Bento XIV já criticava tal superstição na De Servorum, e não obstante isto enorme parte dos padres não conhecem sequer os rudimentos dos mecanismos fisiológicos básicos da sugestão, que permitem a qualquer principiante em hipnologia eliciar à vontade todos esses fenômenos somente por mencioná-los em voz alta.
[2] A autoridade da experiência exorcística deve ser invocada com muitíssima prudência, pois abusos, exageros e delírios já foram repetidos tantas vezes e por tantos séculos que também se tornaram um infeliz patrimônio histórico, e justamente por isso a Igreja reagiu, interveio e refez as regras. De boa vontade, mas apartados de qualquer conhecimento científico e imbuídos de todo o desejo de libertarem seus fiéis do Mal, muitos padres, perante o desespero da situação, tentaram de tudo até encontrar uma solução inexplicável que fizesse o energúmeno voltar ao normal. Note-se que um manuscrito de 1400 instruía o exorcista a usar de palavras inexistentes e gestos quase mágicos perante o possesso, que os próprios feiticeiros da época empregavam: “Pegue a cabeça do possuído com a mão esquerda e coloque o polegar na boca do possuído, dizendo o as seguintes palavras para ambos os ouvidos: ‘Levante-se novamente daqui abrya, levante-se novamente daqui, coisas consagradas juntas ypar ytumba opote alacent alaphie’”, e vários outros sacerdotes também empregavam palavras mágicas desprovidas de sentido entre tantas outras que realmente existiam [Francis Young; A History of Exorcism in Catholic Christianity. p. 74].
Digno de nota é o fato de que enquanto os teólogos, baseados em S. Boaventura, criam na existência de um corpo físico para os demônios; os padres criam que tais espíritos imundos invadiam os humanos por seus orifícios, e por isso exorcizavam as partes do corpo em separado porque criam o demônio estar ocupando lugares específicos do organismo humano – e os próprios demônios, ao invés de corrigirem este erro (que foi retificado por S. Tomás de Aquino), agiam conforme a expectativa de todos, entre diálogos e peraltices como a de fugir do braço para a perna do possesso [N. Caciola; Discerning spirits: Divine and demonic possession in the Middle Ages].
[3] Cf. em “O demônio – aspectos teológicos” [Ed. Vozes] o estudo aprofundado de frei Constantino Koser intitulado “Documentos eclesiásticos sobre práticas supersticiosas e demoníacas”, onde se conclui que a Igreja sempre teve o feitiço como inverdade, impossibilidade e heresia.
O Decreto do Santo Ofício de 30 de julho de 1856 – repetido no Concílio de Veneza em 1859, III de Baltimore em 1866, Plenário da América Latina em 1899 e várias vezes pelo próprio Santo Ofício no ano seguinte – diz:
“Aplicação de princípios e meios puramente físicos para obter coisas ou efeitos não-naturais, para que sejam desenvolvidos fisicamente, não é senão engano completamente ilícito e herético” (Denzinger n.1653).
“Pretendem temerariamente evocar as almas dos mortos, receber respostas, desvendar coisas desconhecidas ou longínquas e exercer outras superstições desse gênero (…). Em todas essas coisas, seja qual for afinal de contas a ilusão ou arte que utilizam, como se encaminhem meios físicos a efeitos não-naturais, se encontra total engano completamente ilícito e herético” (Denzinger n.1654).
[4] Cf. no cap.IX do livro “Sobre o ocultismo”, de D. Estêvão Bettencourt, a explicação a respeito da relação entre feitiço e sugestão. Igualmente válida será a consulta aos capítulos II e III de “O Espiritismo no Brasil”, do bispo Boaventura Kloppenburg, notável hipnotista de palco e cientista da mente humana.
[5] O padre Johann Joseph Gassner (1727-1779) é considerado por especialistas o precursor da hipnoterapia e da Terapia Cognitivo-Comportamental, pois usava de seu poder de comando não só para expulsar, mas também para recolocar o demônio no possesso por diversas vezes, no intento de demonstrar a este que é possível cessar o ataque diabólico através do simples pensamento. Assim, os fiéis aprendiam a “exorcizarem-se” a si mesmos, enquanto se libertavam do medo dos ataques [Gassner’s Exorcism – not Mesmer’s Magnetism – is the Real Predecessor of Modern Hypnosis; Burkhard Peter, International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis, 53:1, 1-12, DOI: 10.1080/00207140490914207]
[6] “O exorcismo é cerimônia impressionante que pode atuar muito eficazmente sobre o inconsciente dos doentes. As conjurações contra o demônio, as aspersões de água benta, a cerimônia com a estola, os frequentes sinais da cruz e etc., são atos bem capazes de despertar no psiquismo já débil a mitomania diabólica em palavras e ações. Quem chamar pelo Diabo, o verá. Não a ele, mas a seu simulacro composto segundo a idéia que dele tiver o doente. Assim, alguns padres, pela prática inconsiderada e imprudente do exorcismo criam, confirmam, fomentam os desequilíbrios que queriam suprimir” – Joseph de Tonquedéc, S.J.; Les maladies nerveuses ou mentales et les manifestations diaboliques; cf. pp. 20, 66, 80, 87, 126s, 168 e 192.
[7] O padre F. X. Maquart afirma que a superstição e a mentalidade mágica é muito frequente nos exorcistas (“Exorcism and diabolical manifestation”, in Satan, Études Carmelitaines. Sheed & Ward, 1952, p. 178).
[8] “Ficarei muito mais reservado quanto à ação do diretor espiritual; pode ser prejudicial, e não seria bom se a crença na posse fosse facilmente aceita. Observei com um abade excelente e erudito, uma freira que, alegando estar possuída, fora submetida a pelo menos trezentas e setenta vezes a exorcismos, não apenas sem sucesso, mas com um evidente agravamento de sua psicopatia: na realidade, o que parece ser a causa mais certa do nascimento da idéia da possessão diabólica é o sentimento de culpa e, sobretudo, o remorso pelas faltas ou complacências contrárias à castidade” (Jean Lhermitte; Annales medico-psychologiques. Paris, n°4, 1939, p. 261-282).
[9] Há exorcistas que assumem expedientes tão estranhos quanto os dos espíritas. Um exemplo é o Monsenhor Stephen Rossetti, que afirma em seu blog que “um dos membros da equipe presente geralmente é um sensitivo espiritual talentoso. Essas pessoas muitas vezes podem nos dizer onde os demônios estão localizados, que tipo de espíritos malignos eles são e talvez quando são expulsos. […] Em lugares onde havia televisores, independentemente de qual sensitivo espiritual estivesse presente, ele ou ela sempre notava um demônio na cadeira principal em frente à TV”.
[10] Ignoram ou se esquecem que o Vaticano sustenta uma escola de parapsicologia na própria Academia Alfonsiana de Roma. Repete quase que literalmente o mesmo erro o pe. Duarte Lara em seu livro “Demônio, exorcismo e oração de libertação em 40 questões”, as mesmas idéias desprovidas de qualquer base.
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