ESPIRITISMO FRANCÊS

Voltando à influência do meio circundante na produção das “mensagens”, dizíamos que o ambiente francês proporcionaria uma série de novas “revelações”. O principal responsável por esta inovação francesa foi León Hippolyte Denizard Rivail, um professor ginasial de Lyon, discípulo do pedagogo suíço Pestalozzi. 

Após ter recebido uma “mensagem” dos “espíritos” de que tinha sido um celta em uma existência anterior, Rivail mudou seu nome para Allan Kardec, um nome celta, e assim viria a ser conhecido como o organizador do Espiritismo. Curiosamente, Kardec nunca foi um “médium”, mas, pelo contrário, um magnetizador e hipnotizador, tal como seu amigo Victor Michal, o qual ensinou os primeiros passos a Mme. Blavatsky. O magnetizador possui as características justamente opostas às do médium, sendo ativo e influenciador, ao contrário do último, que é passivo e influenciado. (O médium é chamado também e freqüentemente de “cavalo”, justamente por ter a característica de ser uma montaria para influências de fora.)

Kardec, ao lado de vários médiuns que recebiam “mensagens”, foi o responsável por “… controlar, rever e corrigir” as mensagens recebidas dos “espíritos”. Isto era necessário, segundo os espíritas, porque as mensagens vêm tanto de espíritos superiores como de inferiores (menos evoluídos).

Qual o critério, porém, para distinguir estes dois tipos, nunca foi esclarecido por seus partidários. Por que corrigir o que era “revelado” pelos “espíritos”? Que interesse temos em saber as opiniões de Kardec sobre qual “espírito” é veraz e honesto e qual é brincalhão ou mal intencionado? Por que corrigir e como saber o que corrigir?

Dunglas Home, um famoso médium inglês da época e ardente crítico de Mme. Blavatsky, era igualmente contrário aos procedimentos de Kardec. Dizia ele: “… classifico a doutrina de Kardec entre as ilusões deste mundo, e tenho boas razões para isso… se os ensinamentos fornecidos desta maneira emanam realmente de grandes inteligências que, segundo ele, eram os autores, como poderiam aparecer da forma que aparecem? Como Jamblique pôde aprender tão bem o francês contemporâneo? E como Pitágoras pôde esquecer tão completamente o grego, sua língua natal?… Jamais encontrei um só caso de clarividência magnética onde o sujeito não refletisse direta ou indiretamente as idéias do magnetizador. Isto é demonstrado de uma maneira evidente pelo próprio Allan Kardec. Sob o império de sua vontade energética, seus médiuns são como máquinas de escrever, que reproduzem servilmente seus próprios pensamentos” (As Luzes e as Sombras do Espiritualismo).

Um espírita brasileiro de nome Luiz de Mattos expressou também seu desagrado em relação às doutrinas de Kardec, claro, com certos fins partidários incluídos na crítica. Ele diz: “… inúmeras foram as obras escritas por Kardec. Médium que era [no que este espírita está errado], muitas vezes foi atuado por espíritos jesuítas, e daí a influência do misticismo religioso nos seus escritos que, embora possuindo boa moral, são nocivos aos espíritos fracos”. [Vemos aqui o sentido anti-religioso, explicitamente.] Ele continua: “… seus ensinamentos levam as criaturas ao desenvolvimento mediúnico, mas nada lhes é ensinado sobre os perigos a que estão expostos os médiuns, nada se lhes disse sobre a sua composição astral e física, do que resulta a prática do espiritismo sem método e sem disciplina, deixando-se os médiuns atuar em qualquer lugar para praticarem a pretensa ‘caridade’ a que, a propósito de tudo, se referem” (Cartas Oportunas sobre Espiritismo).

Dentre os colaboradores de Kardec estavam o médium “desenhista” Victorien Sardou, um artista de teatro (que gostava de desenhar a casa de Mozart em Júpiter), e Eugène Nus, do mesmo ramo. Não é curioso como o Espiritismo faz tanto sucesso e capta vários adeptos no meio artístico, justamente um meio onde a sensibilidade e maleabilidade psíquica de “viver” papéis é tão importante?

Eugène Nus, aliás, seria um dos primeiros membros da Sociedade Teosófica na França, bem como de vários outros grupos espíritas. No decorrer deste livro o leitor terá ampla oportunidade para notar o quão próximos estavam todos estes participantes e fundadores de escolas neo-espiritualistas do fim do século passado, e como freqüentavam-se uns aos outros participando dos mesmos círculos.

Kardec pertencia também à Maçonaria. Possuía o grau 33 na organização. Grande parte dos teosofistas pertencem também a ela. Seu amigo Victor Michal ensinou Blavatsky, a qual fundou a Sociedade Teosófica, por onde passaram: Rudolf Steiner da Antroposofia (amigo de Max Heindel da Rosacruz), o filósofo intuicionista Henri Bergson, o ocultista Papus, o bispo herege C.W. Leadbeater (que fundou a Igreja Católica Liberal e ensinou Krishnamurti), Alice Bailey (cuja editora publicava os livros de Aurobindo), e assim por diante. Juntando todas as ligações, não se parecem até com um plano bem organizado e dissuadido, no sentido de espalhar uma mesma, mas variadamente vestida, doutrina?

Outro fato curioso e não sem profundas conseqüências é o de que grande parte dos primeiros adeptos do Espiritismo na França vieram do crescente meio socialista, o qual Kardec e seus médiuns também freqüentavam. Ora, a primeira vez em que se ouviu falar da idéia de reencarnação na Europa foi justamente nos meios socialistas, com Fourier e Pierre Leroux, os quais, por intermédio da reencarnação, pretendiam justificar as diferenças de condições sociais. Defendendo que: “… as manifestações da vida universal, nas quais se incluem a vida do indivíduo, não são, a cada nova existência, mais que uma etapa a mais em direção ao progresso”, os socialistas franceses (os quais naquela época eram bastante românticos, idealistas e “místicos”) faziam justificar sua doutrina e colocar o socialismo como o novo passo no progresso (ou evolução) da sociedade.

Embebidos de tal concepção, os médiuns de Kardec puderam bem expressar tais idéias, agora em um plano ainda mais “espiritual” (ou diríamos sentimental?) e mediúnico, e dirigidos pessoalmente pelo magnetizador Kardec, fabricaram um sem-número de relatos e encarnações, bem ao molde teosófico. Kardec, então, adota o lema: “… Nascer, morrer, renascer outra vez, e progredir sem cessar: tal é a lei”. Sabemos já de onde virão as idéias de Blavatsky e Papus, dois líderes ocultistas, sobre este assunto…

 

ALGUNS ENSINAMENTOS ESPÍRITAS

Dissemos que uma das teses espíritas é a de que o contato com os mortos não só é possível mas também um fato habitual e corriqueiro. Isto contradiz o Teosofismo e o Ocultismo em geral, os quais, apesar de admitirem a reencarnação, pelo menos em alguns de seus grupos, afirmam que somente é possível em situações muito raras.

Para os espíritas o contato do “defunto” com o médium se dá através de um curioso “corpo” que reveste o “espírito” ou “alma” do homem falecido intitulado de “perispírito”. Já aqui é possível notar uma série de confusões que os espíritas cometem em sua apreciação da natureza humana. Não sabendo o que de fato é o espírito, referem-se a ele, alternativamente, como “alma”. Herdeiro do pensamento cartesiano, o qual aflige o homem ocidental desde Descartes, o Espiritismo concebe o homem como um ser dual composto de “espírito” ou “alma” e corpo. Ora, nas religiões tradicionais a concepção sempre foi ternária: espírito, alma e corpo, havendo claras diferenças entre os três. Desconhecendo-as, os espíritas confundem os dois primeiros termos e, para dar a ilusão de um terceiro elemento, inventam um intermediário, o qual chamam de “perispírito”.

Como todo o Neo-espiritualismo, o Espiritismo sempre revela as características de um materialismo espiritual, ou seja, a transposição do materialismo e das teses do mundo da matéria para um outro nível, criando um simulacro de mundo espiritual que possa enganar aos mais desatentos. É assim que este “perispírito” é mostrado como sendo também um “corpo”, mais sutil, mas ainda “corpo”. Segundo os espíritas, é através dele que os médiuns entram em contato com o defunto vivendo no além. O médium empresta uma certa força de si próprio que permite, então, ao defunto se manifestar e atuar no mundo dos “vivos” ou mundo corporal. Mas podemos nos perguntar se o “espírito” necessita da força do médium para se manifestar, qual é a utilidade do “perispírito”? Assim este terceiro elemento se revela como completamente dispensável, nada havendo que justifique sua existência. E, por outro lado, se o “perispírito” já é uma espécie de corpo, por que não atuar ele próprio sobre a matéria, sem a ajuda do médium? Mas é claro que a presença do médium deve ser assegurada, pois o que justificaria de outro modo a existência do movimento espírita?

O “perispírito” espírita não deixa de ter certas semelhanças com o que os teosofistas e ocultistas em geral chamam de “corpo astral”. Esta palavra, muito em moda nos meios holísticos e aquarianos de hoje, apresenta-se como um verdadeiro “saco sem fundo”, uma palavra que explica e justifica praticamente tudo.

O corpo astral ocultista, no entanto, difere do “perispírito” por ser temporário e desaparecer após a morte do corpo físico. Já o “perispírito” continuaria sempre apegado ao “espírito” do defunto vivo. Em ambos os casos, porém, é bastante difícil definir se em última análise trata-se de algo material ou imaterial. Pois uma mesma coisa simplesmente não pode ser as duas ao mesmo tempo! Esta indefinição os espíritas e ocultistas não conseguem esclarecer. Quando falam que o corpo “etérico” ou “astral” é um corpo sutil, querem dizer que é algo nem material nem imaterial, mas algo “semimaterial”. Mas o que é algo “semimaterial”? Ao mesmo tempo que não pode ser percebido por nenhum dos sentidos, pode, por outro lado, ser “sentido”. Tais contradições e falta de clareza não parecem afligir os espíritas e ocultistas.

Os “espíritos” são espirituais, mas as sessões espíritas devem ser realizadas à meia-luz, pois luzes fortes podem prejudicá-los! Como pode a luz, algo que é do mundo sensível, de ordem vibratória e ocasionada por reações químico-elétricas, influenciar seres não-materiais? Pelo contrário, a meia-luz das sessões parece muito mais propícia para a indução de estados hipnóticos e auto-hipnóticos, bem como para dissimular possíveis fraudes.

Apesar de etéreos, os corpos astrais estão sujeitos à gravidade, mas se são materiais ou semimateriais (o que significa que ainda o são, mesmo que em menor densidade. Uma gelatina não é menos “material’’, visível e sensível que uma pedra, mesmo que menos densa que esta!) como podem ocupar o mesmo espaço que os corpos astrais, ou almas ou espíritos dos médiuns? Havería algo “material” que simplesmente desconheça a lei da física de que dois corpos não podem ocupar um mesmo lugar ao mesmo tempo?

Todas estas coisas não são explicáveis nem pelos ocultistas nem pelos espíritas. Suas doutrinas são de tal forma identicamente incoerentes que desmascarar uma é fazer o mesmo com a outra. Esta é apenas uma das muitas semelhanças entre o Ocultismo e o Espiritismo.

No capítulo referente ao Ocultismo veremos que este se mostra mais como um Espiritismo de elite, destinado, pelo menos superficialmente, aos mais letrados e dotados culturalmente, enquanto o Espiritismo se alastra com mais facilidade entre o povo oprimido e ignorante. Se os apelos são vagamente diferentes, sua natureza, porém, é a mesma. Ambos deliciam-se nos fenômenos, sempre prontos para ouvir adivinhações, ver materializações, ver objetos voadores e seres elementais, tudo que aproxime aquilo que julgam espiritual dos níveis mais grosseiros dos sentidos humanos. Não é incrível a avalanche de pessoas que hoje procura búzios, I Ching, runas, tarô e coisas do gênero, à procura de encontrar seu “Eu Superior”, seja lá o que julguem ser isso, através de meios divinatórios?

Também, para os espíritas, o mundo do além é praticamente idêntico ao mundo de cá. Isto é particularmente útil quando se trata de consolar os vivos, pois seus desejos materialistas continuarão a poder se realizar no mundo de lá. Isto é o que chamamos de materialismo espiritual. O homem pode continuar com sua noção egoísta de ego, o qual se perpetua para sempre em outros mundos e planetas. Nenhuma mudança ou transformação de fato é mencionada. No além, os “espíritos” andam, conversam, escrevem, comem (provavelmente vão também ao banheiro para descarregar suas necessidades astrais) e tudo podem fazer da mesma forma que no mundo “terreno”. A falta de imaginação do Espiritismo é dentre todas as escolas neo-espiritualistas modernas a mais declaradamente destituída de criatividade.

Notemos que os livros espíritas estão cheios de inúmeras descrições sobre as atividades mais pueris dos “espíritos” no além, talvez como uma forma excelente de consolar aqueles que apreciam todas as atividades da vida no mundo e que poderíam se sentir bastante inclinados a pertencer a um movimento que defenda a idéia de que continuarão fazendo as mesmas coisas do outro lado. Imaginam até que os “espíritos” também vão ao teatro! tanto para assistir peças aqui na Terra (Cuidado! A próxima vez que você for ao cinema olhe astralmente para a cadeira, você pode estar sentando no perispírito de alguém!) como também vão a peças especialmente feitas para eles e com atores igualmente do além. Alguns livros espíritas até descrevem as peças de que mais gostam. Não nos esqueçamos que eles têm suas preferências! Tudo isto seria cômico se não fosse o número crescente de indivíduos que acreditam em tais fantasias. Alguns “espíritos” gostam de ouvir Debussy, enquanto outros, menos evoluídos, contentam-se com músicas menos clássicas. Quem sabe existe mesmo um programa: “As mais ouvidas canções da semana no além!”

Sendo o “perispírito” algum tipo de “matéria rareficada”, aqueles que os têm mais densos sentem o efeito da gravidade! Isto que poderia parecer o cúmulo da transposição materialista para uma outra dimensão, é perfeitamente compreensível para o espírita, o qual, considerando a Terra um lugar dos menos evoluídos, vê a gravidade terrestre mantendo na atmosfera do planeta muitos “espíritos” impuros. Outros, mais leves (até onde sabemos ainda não inventaram balanças astrais para pesar espíritos), vão para Marte ou Júpiter, planetas cujo “nível vibratório” (mais outro termo do mundo material) se adapta apenas a seres bem progredidos! Alguns poderíam argumentar que tudo isto não passa de uma forma simbólica de falar. Entretanto, é, de fato, assim que se considera as coisas no Espiritismo, e basta ler o clássico Livro dos Espíritos de Allan Kardec para perceber todas as aventuras por que passam os “espíritos no mundo do além”. Júlio Verne e Emílio Salgari tinham bem mais imaginação. E nunca falaram que seus livros eram a descrição de outros mundos, nem ergueram um edifício espiritual em cima de suas ficções…

Tal como os teósofos descrevem as casas de veraneio dos Mestres da Fraternidade Branca (conhecemos um livro de Charles Leadbeater, um dos chefes da Teosofia, onde ele pega a reprodução de uma pintura chinesa e diz que foi pintada por um dos Mestres “Mahatmas”. Para justificar por que havia um homem em cima de um cavalo e outro à beira do rio segurando uma vara, Leadbeater comentou que o Mestre Morya sempre gostou de andar a cavalo e que o Mestre Djwal Kul [ou como Alice Bailey o chama: “El Tibetano” – por que um artigo em espanhol está na frente da palavra “tibetano”?], depois de muito insistirem, pintou a si mesmo. Como era muito recatado, e devido à sua grande virtude da humildade, se desenhou de costas para o espectador!), assim também os espíritas descrevem o quarto onde Mozart continua escrevendo suas músicas, Pasteur tratando de doentes, e os campos por onde pastores guiam suas ovelhas astrais.

Curiosamente, nunca trouxeram ou materializaram nenhuma partitura com uma música nova de Mozart ou alguma grande invenção de algum “espírito” evoluído. Quem sabe eles fiquem um pouco embotados com tanto prazer etéreo… De qualquer modo, é surpreendente que haja tantos seres, ou melhor, “espíritos” superiores, ansiosos por ajudar na evolução da Terra, e tudo o que fazem é enviar repetidas mensagens de “sejam bons, amem-se, não odeiem seus inimigos”. Apelos sentimentais e absolutamente nada mais. Peguem qualquer livro espírita e encontrem algo que não esteja escrito no mais básico dos catecismos infantis.

Como diz o Buddha: “Moralidade praticada na ignorância não resulta em libertação”.

 

ALGUMAS EXPLICAÇÕES

Sem necessidade de entrar em maiores detalhes sobre as várias explicações para os diversos fenômenos que os espíritas supõem embasar suas pretensões teóricas, basta-nos apresentar somente uma, que já justificaria e explicaria, com bem mais propriedade, a maioria dos fenômenos. Como já foi dito em capítulo anterior, as pretensas mensagens dos defuntos se encontram curiosamente sintonizadas com o meio circundante e, principalmente, com o nível da média da mentalidade dos participantes das sessões. Facilmente influenciáveis, mostram-se como excelentes canais para a expressão das idéias em voga em um certo momento e lugar.

Quanto a isso, porém, devemos acrescentar que tais influências ou correntes de pensamentos e emoções não se restringem à porção consciente dos indivíduos envolvidos, mas sobretudo à parte subconsciente (ou inconsciente), muito maior e inexplorada. Como no caso de doentes com febre alta, psicóticos e hipnotizados, o médium, no estado desequilibrado que se encontra (estado este que é a condição mesma para ele ser considerado um médium), torna-se facilmente suscetível de entrar em contato com os fragmentos de histórias, memórias e emoções dispersas em seu subconsciente, bem como no subconsciente dos outros. Tal como os hipnotizados e os sonâmbulos, os quais podem ser dirigidos, o médium também o pode, sem que esta direção venha necessariamente de um indivíduo consciente. É isso que explica como “mortos”, ou suas palavras e mesmo suas “imagens”, possam se manifestar aos familiares durante uma sessão mediúnica. Este “material”, estando depositado no subconsciente de algumas pessoas, ou somente em uma delas, que participam do grupo, aflora balbuciante na mente do médium, o qual, ignorante, julga receber uma mensagem do falecido. O fato de o médium transmitir algo que só o consultante sabia, como um apelido, ou lugar favorito, ou outra dessas banalidades que se perguntam aos “espíritos”, nada significa diante disto.

O mesmo se aplica igualmente aos casos de adivinhação por meio de coisas como tarô, quiromancia, etc., quando os adivinhadores acertam um fato do passado. Tais indivíduos, é preciso frisar, dotados de certas habilidades – neste caso telepáticas – sempre ficaram às margens das sociedades antigas, como elementos marginais, e não entre a categoria dos sábios.

Se bem que grande parte dos fenômenos que se manifestam no Espiritismo possa ser bem explicada através de simples psicologia aplicada, há outros casos que mereceriam mais explicações, como as possessões, a captação das “influências errantes” e o papel das artes de feitiçaria (cujo significado é bastante desconhecido pelas pessoas comuns, mas não por vários dirigentes de centros espíritas e cultos de inspiração africana), coisas conhecidas desde antigamente e igualmente evitadas e interditas nas tradições espirituais antigas.

Outro instrumento para explicar vários dos fenômenos que ocorrem em centros espíritas é a Parassomatologia e a Parapsicologia, as quais vêm tendo cada vez mais avanços na área científica. A primeira destas ciências estuda e dá provas de uma série de capacidades sensoriais e materiais possíveis aos seres humanos. Algumas delas só se manifestam em estados de desequilíbrio mental e outras em casos de stress ou por outras circunstâncias. Não são raros os parapsicólogos e psiquiatras que concordam em afirmar que mais de 80% dos paranormais sofrem de algum distúrbio mental reconhecível.

Um dos tipos de fenômenos parassomáticos é a Hiperestesia, um desenvolvimento anormal de algum dos sentidos que faz com que o indivíduo perceba um campo maior do espectro sensorial relacionado. Na hiperestesia visual a pessoa vê mais tonalidades de cores e mais movimentos mínimos que a média das pessoas. Isto permite que ela perceba coisas e interprete movimentos aparentemente invisíveis ao olhar humano comum. Um caso específico desta faculdade é o Cumberlandismo, onde o sensitivo, ao tocar a mão de alguém, hiperestesicamente (agora no sentido do tato) percebe os pensamentos do sujeito transformados em reflexos nervosos. Quiromantes e certos mágicos de teatro utilizam-se desta função para “adivinhar” o que o sujeito está pensando. Isto deve ser distinguido da telepatia, que já é um fenômeno parapsicológico. Outra categoria é a hiperestesia auditiva, onde o sensitivo percebe sons minimamente articulados, pois ao pensar podemos mover inconscientemente as cordas vocais sem fazer som audível algum. O famoso médium brasileiro Chico Xavier, aliás, faz uso desta faculdade hiperestésica para fazer-se de santo e dar suas mensagens. Ele tem o que se chama de hiperestesia indireta do pensamento, principalmente na área auditiva.

O famoso médium, aliás, sempre foi conhecido como alguém bastante inteligente e de memória prodigiosa. Toda infância e adolescência passou lendo e estudando, recusando-se mesmo a brincar com os meninos de sua idade. Entretanto, os espíritas fazem questão de apresentá-lo como sendo alguém sem cultura alguma, o que seria uma prova da influência dos espíritos em sua vasta literatura. Nascido em Pedro Leopoldo, MG, em 1910, Chico Xavier demonstrou inclinações poéticas desde cedo, chegando mesmo a publicar alguns poemas de sua autoria no Jornal das Moças. Entrou em contato com o Espiritismo ainda moço. Sua irmã sofria de ataques e foi levada a uma espírita. Mais tarde, esta espírita passou a dar sessões na própria casa de Chico Xavier. Em seu livro Parnaso de Além Túmulo apresenta a si mesmo como possuindo “… o mais pronunciado pendor para a literatura” e “… com a melhor boa vontade para o estudo”. Sempre leu com afinco as obras de todos os poetas que mais tarde, curiosamente, “recebería mediunicamente”. Tinha especial admiração por Augusto dos Anjos e Humberto de Campos. Isto é a melhor prova de que o médium capta e reelabora o que inconsciente, ou conscientemente, consegue retirar de sua própria memória latente.

Amauri Pena, sobrinho de Chico Xavier, também psicografou inúmeros poemas de famosos escritores brasileiros. Mas em 1958, fazendo as pazes com sua consciência, resolve chamar a imprensa e declarar: “… Tudo o que tenho psicografado até hoje, apesar das diferenças de estilo, foi criado por minha própria imaginação, sem que precisasse de interferência de almas de outro mundo”. E prossegue: “… Sempre encontrei muita facilidade em imitar estilos. Por isso os espíritas diziam que tudo quanto saía do meu lápis eram mensagens ditadas pelos espíritos desencarnados. Revoltava-me contra essas afirmativas, porque nada ouvia e sentia de estranho quando escrevia. Os espíritas, entretanto, procuravam convencer-me de que era médium. Levado a meu tio, um dia, assegurou-me ele, depois de ler o que eu escrevera, que deveria ser seu substituto. Isso animou bastante os espíritas… Passei a viver pressionado pelos adeptos da chamada Terceira Revelação. Cansado, enfim, cedi, dando os primeiros passos no caminho da farsa constante…. Vi-me, então, diante de duas alternativas; mergulhar de vez na mentira e arruinar-me para sempre, ou levantar-me corajosamente para penitenciar-me diante do mundo e de mim mesmo, libertando-me definitivamente. Foi o que resolvi fazer, procurando um jornal mineiro e revelando toda a farsa…. Não desmascaro meu tio como homem, mas como médium. Chico Xavier ficou famoso pelo seu livro Parnaso de Além Túmulo. Tenho uma obra idêntica, e para fazê-la não recorri a nenhuma psicografia”. Quem dera a maioria dos espíritas tivesse a sinceridade e a clareza mental de Amauri Pena…

Voltando à Parassomatologia, a Hipermnésia é outro fenômeno desta categoria, que significa a capacidade de reter na memória subconsciente uma quantidade gigantesca de informações, experiências e eventos passados. Alguns afirmam inclusive que o subconsciente é capaz de reter tudo aquilo que é experienciado durante a vida do indivíduo. Sendo assim, basta que uma pessoa tenha, pelo menos uma vez, ouvido uma frase em russo em algum filme de espionagem para que anos mais tarde, hipnotizada ou em transe mediúnico, possa repetir as palavras russas que ouviu. Esta capacidade de falar ou escrever em uma outra língua, conscientemente desconhecida para o sujeito, é chamada de Pseudoxenoglossia e é devida inteiramente à hipermnésia.

Citamos anteriormente a psicografia ou, em termos parassomáticos, a Automatografia, a capacidade de escrita automática proveniente de auto-sugestão ou sugestão de alguém de fora. Esta automatografia pode ser repetida inúmeras vezes em laboratório através de sugestão hipnótica, sem fazer uso de nenhuma explicação espírita.

Uma série de outros fenômenos parassomáticos poderia ainda ser citada como a Automatocinesia, o movimento involuntário de diferentes partes do corpo; a Prosopopese, que é a simulação psicológica de várias personalidades, que pode ser inconsciente para o médium, ou melhor, para o paranormal; e tantos outros fenômenos pertencentes à Parapsicologia, como a Telepatia, a transmissão de pensamentos à distância, ou a Telarquia, um tipo de hipnose à distância. Todos eles são fenômenos bem pouco importantes dentro de uma verdadeira espiritualidade e sempre foram vistos muito mais como curiosidades e obstáculos do que como ajuda ou sinal de realização interior.

Tudo isto pode ser dito quanto aos fenômenos que de fato ocorrem. Outro tanto pode ser dito para as inúmeras fraudes que muitos médiuns

têm de fazer, consciente ou inconscientemente, para manter sua clientela. Como diz D.J. West: os médiuns de efeitos físicos são poucos e mais notórios que importantes. Seus fenômenos conseguem divertir os observadores, mas raramente aceitam ser seriamente investigados, e aqueles que o fizeram foram detectados ao menos uma vez cometendo fraude” (D.J. West. Pesquisa Psíquica Hoje. Penguin Books, Londres).

O próprio Allan Kardec reconhecia a fraude abusiva que pululava nos meios espíritas: “… Encheriamos um volume dos mais curiosos, se houvéramos de referir todas as mistificações de que temos tido conhecimento”. E um dos admiradores e seguidores de Kardec chegou a confessar: “… Posso dizer que nestes quarenta anos quase todos os médiuns célebres passaram pelo meu salão –e a quase todos surpreendi em fraude” (Les Forces Naturelles Inconnues, de Camille Flammarion).

E o historiador Bruno Fantoni complementa que:”… as condições emocionais e objetivas em que os espíritas realizam suas observações não seriam jamais aceitas em nenhuma observação científica séria. A partir do ponto de vista subjetivo, a maior parte dos assistentes das sessões está emocionalmente motivada e é impossível que em tais condições eles escapem à auto-sugestão… Agreguemos a isto que o conteúdo das mensagens presumida mente originadas da ultratumba demonstra que seu caráter trivial se contradiz com o caráter transcendente que os espíritas as atribuem. As batidas e ruídos amiúde ofendem a inteligência humana por sua simplicidade. Nenhum espírito retornou para nos trazer alguma obra artística de grande valor, nenhuma invenção notável, nenhuma contribuição filosófica” (Fantoni, B. Magia e Parapsicologia. Edições Troquel, Buenos Aires).

Nosso intuito neste trabalho, entretanto, não é nem oferecer amplas explicações para os diversos fenômenos ocorridos em sessões espíritas, coisa que aqueles que de fato tenham interesse poderão encontrar com facilidade, nem apresentar as doutrinas das religiões tradicionais sobre este assunto. Nosso intuito é tão-somente apontar alguns dos absurdos e confusões do Neo-espiritualismo, verdadeira onda de escuridão e ignorância que lava as mentes modernas. Neste sentido, oferecer uma outra explicação alternativa, mesmo que de forma resumida, já é o bastante para demonstrar que o Espiritismo não oferece uma única explicação possível e que as tradições espirituais têm uma outra versão para tais fenômenos, e isto desde há muito tempo. Para aqueles ainda não completamente envoltos na névoa do Neo-espiritualismo, isto já seria o bastante para dirigirem seu olhar e atenção para coisas bem mais interessantes e profundas no campo da verdadeira espiritualidade, ao invés de fenômenos ocasionados por impressões subconscientes ou restos de defuntos.

O outro lado do Espiritualismo moderno – Ricardo Sasaki, Editora Vozes, Petrópolis, 1995 [com discretas adaptações; os negritos são sempre nossos].

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