Ao tratarmos de Renovação Carismática Católica seremos colocados sempre entre paradoxos: é inegável o entusiasmo missionário, o número de conversões e a participação sincera de enorme parte de seus membros aos sacramentos, mas por outro lado não deixamos de reconhecer como médicos, hipnotistas, terapeutas e leigos comuns o alto índice de pessoas que abandonam o catolicismo imersas em ressentimentos com Deus, com a Igreja, questionando sua conversão e com muitas sequelas emocionais e nervosas, oriundas da práxis de algumas lideranças em retiros, comunidades e até mesmo em missas.

 

Reconhecemos que a Igreja e mesmo os  estatutos do movimento não corroboram tais condutas que elencaremos; mas abordaremos cientificamente os problemas por serem eles uma realidade ainda presente e objeto de muito interesse e de pouquíssimos esclarecimentos.


Muito atrativo para os jovens são os shows de música, que mesclam orações, testemunhos e invocações de cura, mas que frequentemente desembocam em curandeirismo, exorcismos e ordens de ação ao Espírito Santo, uma vez que os líderes aprenderam com o tempo que o público pode obedecer de imediato às suas sugerências hipnóticas e, tanto eles quanto o público, desconhecerem que tudo o que é dito e obedecido “no automático” se deve muito mais ao ambiente e à ocasião do que ao Divino Espírito que os recompensa acatando a cada imprecação.

 

 

Carisma divino ou automastismo treinado?

É sabido entre os hipnólogos que um dos mais poderosos meios de automatização de funções é a repetição consciente daquilo que se deseja que ocorra sozinho. Sendo assim, o processo de colar as mãos inicia-se com o próprio sujeito pressionando as mãos com os dedos entrelaçados e com os braços bem afastados e rígidos para a frente, concentrando-se em acreditar que, até uma segunda ordem as mãos estarão coladas “como uma barra de ferro, como placa de concreto”. No primeiro ato em que a pessoa tenta separar as mãos e não consegue, fica impressionada e muito mais propensa a continuar respondendo às sugestões: entra em um processo conhecido como “loop hipnótico”, onde pode experimentar sutis alterações proprioceptivas tais como moleza nas pernas, calor nas extremidades e pequena taquicardia, todos originados por sua própria fisiologia de emoção e jamais pelo hipnólogo. A fisiologia e seus sintomas são mais exuberantes quanto mais a pessoa acreditar no processo, este que nasceu com a mesma pessoa tentando fazer aquilo que virá a se realizar “sozinho”, como que por encanto.

 

 

E como acontecerá entre os carismáticos?

Impelido pelos pedidos do padre/orador, muitas pessoas balbuciam sílabas desconexas e improvisadas, a priori por sua própria intenção e vontade consciente, como que numa brincadeira, e enquanto um violão ou piano elétrico ressoa acordes bastante repetidos , o orador afirma com convicção que o Espírito Santo já está agindo, e que muitos [sugestão indireta, como da hipnose ericksoniana] já poderão sentir o seu calor [aproveitando o calor próprio de um recinto lotado, que agora se torna mais presente à atenção de cada pessoa e que eleva a expectativa de que algo sobrenatural está em curso], enquanto que tantas outras pessoas repetem em alta voz o mesmo balbucio, seja por tentativa consciente ou já por automatismo espontâneo ou treinado. Algumas outras sugestões como “olhe para a cruz, olhe para a pessoa ao lado, respire fundo” serão reforços para que a ordem direta ou indireta de rezar em línguas se concretize com confiança e emoção no participante.

Este processo é muito simples e qualquer pessoa sem um mínimo de treinamento conseguirá repeti-lo com seus amigos, desde que transpareça confiança total em si e no que deverá ocorrer.

 

Alguns líderes carismáticos apontam que a porta de entrada para os dons do Espírito é justamente a glossolalia, não por ter maior ou menor valor, mas justamente por ser o mais fácil dentre todos. Nós acrescentaríamos que além da fácil simulação ele traz o benefício de poder ser praticado e lapidado em casa, através de auto-hipnose originada pela insistência e pela busca de cada um. De maneira semelhante também os espíritas têm a sua “entrada fácil” para uma vida mediúnica, reconhecendo na prática da psicografia a possibilidade de ser simulada, provocada e paulatinamente desenvolvida, com claríssimo progresso à medida em que a escrita vai ficando cada vez mais automática, pois de início a caneta produzirá rabiscos sem sentido e aos poucos sílabas desconexas até palavras e frases inteiras. 

E isso são as habilidades treinadas e supersticiosamente interpretadas: os espíritas dirão que é o médium que aumenta sua capacidade de trabalhar com espíritos dos mortos; carismáticos dizem que aumenta a graça e a recepção do Espírito Santo na máquina humana e os psicólogos dirão que é um mero automatismo desenvolvido em auto-hipnose em ambos os casos. Demonstramos as conexões hipnóticas entre RCC e espiritismo e o relativo perigo de suas práticas em dois vídeo-estudos, que podem ser consultados abaixo:

O célebre bispo Boaventura Kloppenburg alerta com severidade que esses fenômenos são naturais, e exclusivamente humanos: “os automatismos do falar em línguas muitas vezes de uma irrupção balbuciante do dinamismo inconsciente de cada fiel [1]”, e salienta ainda que tal espécie de transe religioso “faz surgir em forma desordenada recordações esquecidas, facilita a manifestação das atividades automáticas e das personificações, condicionadas elas crenças, opiniões e convicções do sujeito e de seu ambiente”. “A sugestão direta do ambiente é capaz de produzir o estado de transe, que, num ambiente religioso, recebe também o nome de “êxtase”, e sua repetição frequente pode causar desequilíbrios mentais” [2].

 

bispo Boaventura Kloppenburg

 

Correspondendo a fenômenos humanos e totalmente condicionados ao ambiente e à emoção do fiel no momento, com o passar do tempo o mesmo poderá perceber certa desarmonia entre esse sobrenatural  – tão corriqueiro e previsível! – e os rumos do grupo e de sua própria vida, que apesar de regados de tantos fenômenos confirmativos coexistem com a tristeza, a ganância, as fofocas e desarranjos do grupo sem nada melhorar, como se Deus os traísse, prometendo dar tanto no início da caminhada e aparentemente permanecer agindo em momentos fugazes e desimportantes. 

Os carismas empolgantes, com o tempo, vão perdendo o seu vigor engajante e caem na mesmice, chegando por vezes a desaparecer por completo. E quando desaparecem, a pessoa crê que por fim está abandonada por Deus e apartada da graça.

 

 

A difusão do apostolado psicológico é uma urgência

O desconhecimento dos processos mais rudimentares  da mente humana gera a necessidade de uma interpretação maravilhosista, que sem sólidos argumentos é obrigada a relacionar os sintomas “impossíveis” de serem da própria imaginação e fisiologia do sujeito ao seu meio de aparição: com facilidade surgem possuídos, profetas visionários, fundadores “inspirados”, alucinações com mortos e anjos, diálogos com Nossa Senhora, profecias, curas e também o surgimento de doenças. Se o fiel conhecesse desde cedo os mecanismos mais básicos da psicologia, além de perder seus medos e proteger-se de futuras psicopatologias jamais se deixaria enganar. Não estaria exposto ao sofrimento grupal, ao abuso espiritual e muito menos a tão grandes crises de fé [3,4]

Recebo com frequência pedidos de ajuda de pessoas que muito sofreram em comunidades de vida onde ao entrar esqueceram toda a sua vida externa: deixaram sua família, seus sonhos e seus estudos porque sentiram um “chamado” durante um encontro, e tal chamado não consistiu em nada além de se ver orando em línguas com os lábios movendo-se sozinhos. Por conta de meros automatismos [5,6] acreditaram (ou lhes fizeram acreditar, por vezes sob ameaças espirituais de vingança celeste) que Deus deixava clara a Sua vontade.

Diversos autores, mesmo carismáticos, reconhecem a ignorância e mesmo a proibição de fiéis [7] ao estudo das ciências psicológicas, transformando os encontros do movimento em fontes de divisão, sectarismo e apostasia, além de curandeirismo e complexos psicológicos negativos [8]. Através do canal Sugestão Católica fizemos veicular tais conhecimentos, que se mostraram muito penetrantes em pessoas que já sofreram de confusão, enquanto que experimentamos muita resistência e violência de membros que defendem não termos nem sombra de alguma razão.

Temos preparado um curso completo e muito acessível com a missão de corrigir os erros e desnudar os mecanismos hipnóticos, de acordo com instruções expressas do Concílio Vaticano II de que não se pode fazer verdadeira pastoral e nem exegese sem considerar os avanços das ciências naturais de observação, e assim explicar o essencial dos desses mecanismos conscientes e inconscientes. Os interessados no aprofundamento desse treinamento poderão conferir a ementa de nossas palestras clicando aqui.

Ainda trataremos, em próximo artigo, das supostas possessões pelos espíritos de Deus e dos demônios, bem como os sintomas dissociativos e psicóticos que o ambiente hiperestimulante tem poder de desencadear nos que se apresentam entre as multidões cantantes e inflamadas.

 

Referências

[1] Kloppenburg, Boaventura  – Parákletos, o Espírito Santo – ed. Vozes, 2ª edição, p.160

[2] Idem, p.162 e 163

[3] Playlist “Lavagem cerebral em novas comunidades” – https://www.youtube.com/watch?v=-BsG1Yq5Gf0&list=PLotJuDlFav-5c6-ysgiZbTpGI1Elw-dxp

[4] Abuso espiritual – um estudo de caso –  https://www.youtube.com/live/XVEM2l-RsOA?feature=share

[5] Há hipnose nas missa? E os dons carismáticos? – https://www.youtube.com/watch?v=PneVWW2pN00&t=3s&pp=ygUQaGlwbm9zZSBuYSBtaXNzYQ%3D%3D

[6] Carismas viciantes e hipnose na missa – https://www.youtube.com/watch?v=aNr648AWQCY

[7] Sometti, Pe. José – O maravilhoso: pastoral e teologia – ed. Vozes, 1991, p.130 e 131.

[8] Zanin, Frei Ovídio – Alienações religiosas e libertação – Edições Loyola, 2004, pgs.110-123

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