A hipnose como técnica e recurso tem ganhado cada vez mais espaço entre psicólogos, terapeutas, dentistas e médicos dado sua franca característica em acelerar os resultados da maioria de seus tratamentos e a avalanche de estudos científicos que atestam sua eficácia [1,2]. De fato, o paciente engajado e confiante em sua recuperação pode com a sugestão concentrar os esforços na direção mais conveniente para o seu caso, seja para a tranquilidade, o controle da dor crônica, ou a troca de sensações ruins por outras mais adequadas em determinadas circunstâncias.
Desde que as diversas escolas da psicologia partem de princípios muito diferentes para elaborarem suas terapias, a hipnose – que é a mais antiga ferramenta de terapia da história humana – encontra em cada linha uma forma muito diferente de aplicação e distintas finalidades.
Aplicações
Nas mãos de um terapeuta cognitivo-comportamental, por exemplo, a hipnose pode servir como uma ferramenta de dessensibilização sistemática: enquanto o profissional sugere que o cliente observe a pessoa, a cena ou um objeto fóbico à distância, poderá aproximá-lo gradativamente enquanto também muda seus atributos (se for habilitado em PNL, poderá trabalhar com a alteração de tamanho, cor, textura) conforme o paciente sinta-se suficientemente confortável, e sendo assim nesse “ambiente controlado” o será também depois, diante de tal situação na realidade. Sendo assim, a presença da cena ameaçadora se torna muito mais possível e tolerável durante e a partir da aplicação da hipnose.
Se aplicada como meio de terapia expositiva, a hipnose pode simular experiências que seriam complicadas de se produzir, como adentrar um avião desligado, pilotar um automóvel em rodovia, expor-se ao público falando ou tocando um instrumento musical e uma infinidade de outras coisas que o paciente deseja conseguir fazer. Uma vez que ele “já fez” essa exposição muitas vezes e seu nervosismo foi se transformando em indiferença e alegria de fazer, o sistema límbico não agirá de modo muito diverso quando a exposição for experimentada na vida real.
Quando um estímulo agradável é habilmente mantido e o ansiogênico aproximado gradativamente, ocorre um fenômeno neuromuscular chamado inibição recíproca, que reduz consideravelmente o mal-estar e promove a tranquilidade e a autodeterminação consciente perante estímulos que eram exageradamente temidos [3].
O mesmo terapeuta poderá usar a hipnose como ferramenta de relaxamento, uma vez que a imensa maioria das pessoas após uma indução formal é tomada por um bem-estar muito concentrado, iniciando um processo onde a pessoa que sempre soube apenas produzir sofrimento e contração nervosa passa a ser capaz de regular a própria distensão através das sugestões que aprendeu com o profissional. Dentistas e médicos estarão mais voltados à aplicação da hipniatria como meio de anestesia psicogênica, regulação do sono, controle de fissuras (vícios) e outros fenômenos.
Um psicoterapeuta de linha psicanalítica usará a hipnose de um modo muito diferente, provocando “regressões” ao “evento causador inicial”. Uma vez que o paciente está focado em tal cena, é franqueado a seu terapeuta sugerir uma nova atitude em tal momento traumático que faz mudar todo o caminho neural daquela evento. O paciente se lembrará desse fato de uma maneira nova, presumidamente sem dor e sofrimento, mas com a nova emoção plantada e aproveitada após tal ressignificação.
Que fique claro: o autor deste texto não é psicanalista e tampouco considera que um trauma tenha origem em um produção do inconsciente como unidade autônoma em um “evento” causador. O que ocorre em ocasiões desse tipo é um novo caminho neural traumático que será deflagrado em todas as vezes que a pessoa se recordar de algo relacionado ao fato, ainda que nem sempre pense no próprio fato em si. A verdade é que ela aprendeu um comportamento mental que traz consigo uma série de outros pensamentos e sintomas devido à própria rede neural treinada e reforçada através dos tempos de repetição. Sendo assim, não é uma necessidade o “voltar ao passado” ou “descobrir como começou tudo isso”; mas uma regressão de memória pode ressignificar o caminho neural inteiro e resolver o problema totalmente através dessas práticas, com a aparência de que de fato se deveu a uma cena. Até os espíritas em sua famigerada regressão a vidas passadas podem obter uma melhora relativa de algum sintoma se a pessoa puder se contentar com a ilusão de que visitou uma vida pregressa novamente e resolveu o seu suposto débito espiritual.
Desfazendo a lenda
Não se pode afirmar que exista de fato um fenômeno neurológico chamado “hipnose” que seja desencadeado por uma indução. Toda vez que os procedimentos iniciais são feitos por um hipnólogo, nenhum deles tem a finalidade e nem a possibilidade de causar o que se sucede e é observado pela plateia.
Toda indução é na verdade um mero ritual social que faz a pessoa concentrar sua atenção e expectativa no momento, e para que isto ocorra é necessário que creia na perícia ou mesmo no poder do hipnotista. Somente o fator confiança e impressão pode causar a fisiologia da mudança, o relaxamento muscular e todo o resto que se espera.
Na verdade, qualquer gesto ou palavra pode desencadear o fenômeno hipnótico desde que o sujeito esteja confiante e engajado: três palavras previamente combinadas, bater palmas, um sopro, olhar para o lado ou pensar qualquer coisa – absolutamente qualquer coisa – que o hipnólogo sugerir, ainda que o este na realidade nunca tenha hipnotizado qualquer pessoa que seja anteriormente mas saiba concentrar em sua palavra a atenção e a confiança do sujet.
Categoricamente afirmamos que o sujet acredita no hipnotista ou na situação em si mesma e realiza sozinho o processo hipnótico.
É justamente por isso que a hipnose jamais alheia a consciência, tolhe a liberdade ou pode causar qualquer dano fisiológico no aparato cerebral, pois todo ser humano saudável hipnotiza-se a si mesmo sempre que submerge em seus próprios pensamentos, preocupações ou gostos. Toda experiência emocional gera um comportamento neuromuscular correspondente, e a “magia” da hipnose que encanta o ser humano a milênios nada mais é do que sua própria imaginação em curso.
Tratamentos
É provável que a maioria dos tratamentos psicoterápicos sejam enriquecidos com a hipnose como uma ferramenta de engajamento do paciente e de adiantamento de resultados e redução notável de recaídas, conforme sugerem diversos estudos [1,2]:
Em uma revisão narrativa do uso da hipnose em tratamentos de redução de peso, Levitt observou que os participantes de um programa de tratamento hipnótico continuaram a perder peso por um período de 2 anos após o término do programa, enquanto os participantes do tratamento não hipnótico não.
O exame dos estudos de obesidade nesta meta-análise revelou uma ampla variação no período de tempo durante o qual os dados de acompanhamento foram coletados (2-24 meses):
Salientamos que é sempre recomendável a busca por um hipnólogo bem treinado na escola psicológica a qual se propõe, e é sumamente recomendável iniciar o tratamento com aquele que mereça boas referências de seus parentes e amigos.
É supersticioso crer que a hipnose possa surtir danos neurológicos ou psiquiátricos, ou ainda que possa expor o paciente à situações vexatórias que ele não quereria. O sujeito em hipnose permanece vigil, íntegro, inteligente e até mais reservado em sua moral, conforme ensina o médico das Forças Armadas, dr. Osmard Andrade Faria na obra “Hipnose médica e odontológica”, após lembrar que ninguém pode ser hipnotizado sem sua própria vontade [4]:
A percepção e o julgamento não se anulam pelo estado hipnótico. E mesmo quando os indivíduos estão no mais profundo dos sonos sonambúlicos, se alguma coisa vem de encontro ao seu senso de moral, eles passam ao estado de alerta, ou simplesmente se recusam a admiti-lo ou a executá-lo.
A hipnose, indubitavelmente, aumenta o limiar moral do paciente.
A propósito da questão moral, conclui o cardeal Lépicier [5,6]:
Sempre que, portanto, a intenção do operador [de hipnose] é boa, e não há qualquer objeção aos meios materiais para empregar o sono [Lépicier escreve em uma época onde se acreditava que hipnose era uma espécie de sono] que no paciente é um mero estado de sensibilidade (…) não podemos dizer que houve quebra de qualquer lei ou que houve violação da obrigação moral. O hipnotismo pode, portanto, ser empregado como qualquer outro meio medicinal, com o fim de obter determinado benefício, e sem que a lei moral seja ofendida.
A prudência na escolha do profissional se deve à sua própria capacidade de se articular perante o desejo de cada pessoa, se é capaz de transitar perante as diversas escolas da psicologia para determinar com precisão o melhor a ser feito, se possui sólida base em neuroanatomia, fisiologia e outros assuntos tão pertinentes à função do psicoterapeuta, que garantirão o sucesso mais rápido e duradouro, posto que o católico a serviço da manutenção do bem-estar espiritual deve ser ético, moral, devotado e apressado quanto à resolução dos conflitos que lhes são confiados.
Clique no banner e se inscreva!
Referências
[1] Kirsch, Irving e outros – Hypnosis as an adjunct to cognitive-behavioral psychotherapy: a meta-analysis, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7751482/
[2] Ramondo, Nicolino e outros – Clinical Hypnosis as an Adjunct to Cognitive Behavior Therapy: An Updated Meta-Analysis, https://doi.org/10.1080/00207144.2021.1877549
[3] Tasman e Kay – Psiquiatria – ciência comportamental e fundamentos clínicos. Manole,2002, p.45
[4] Faria, Osmard Andrade – Manual de hipnose médica e odontológica. Livraria Atheneu S.A., 1961, 3ª edição, p.409 e 410
[5] Lépicier, Alexis – O mundo invisível. Molokai, 2014, p.240
[6] Considerações de Mario Umetsu sobre a liceidade da hipnose para o fiel católico: https://youtu.be/0ZN9c0LdwLA