Consulta: “Certo senhor, culto e religiosamente instruído, já com os seus 36 anos, habituou-se, conforme diz, à masturbação, dos 8 anos aos 11. Aos 11 anos, com a graça de Deus, conseguiu vencer-se completamente. Viveu casto, sem maiores problemas até aos 29 anos de idade. Nessa altura, as poluções noturnas, antes completamente inconscientes, começaram a verificar-se em estado de semiconsciência até se realizarem, agora, praticamente, em estado de consciência. Semanalmente, despertam as forças da natureza, acompanhadas de ímpetos corporais incoercíveis. Estes são advertidos, segundo diz, mas dificilmente controláveis. Levam, geralmente, à polução, meia hora, uma hora depois que a pessoa procura conciliar o sono. 

A pessoa em questão não pode, por razões sérias, contrair matrimônio, o que talvez resolvesse o seu problema de consciência. Afirma ser impossível coibir, semanalmente, aqueles movimentos da natureza que levam à polução. Esforçou-se por vencê-los durante uns três anos. Durante esse tempo e ainda agora, tem vida sacramental, vida de oração e faz sacrifícios generosos. Não obstante os ímpetos naturais retornam, semanalmente, seguindo-se a polução. Somente com a polução a natureza se tranquiliza e a pessoa consegue conciliar o sono. Tentou resistir aos movimentos enquanto lhe era possível. Resultado: passava horas e horas desperto, com evidentes prejuízos para o seu trabalho de responsabilidade no dia seguinte.

Há um pormenor que tranquiliza a pessoa. Diz que não adere, absolutamente, ao p do em si, guindo durante a polução, conter o prazer enquanto tal. Não nega que deseja a polução enquanto meio de tranquilizar a natureza rebelde. Porém, no desencadear-se mesmo da polução, adere a Deus e rejeita o pecado em si. No momento insiste em que não tem forças para evitar os movimentos que levam, semanalmente, ao orgasmo. 

A polução já pode até ser prevista no decorrer do dia por causa de uma excitação maior tanto interior quanto exterior. A pessoa, contudo, formou-se a consciência segundo a qual, em sua situação pessoal, não tem responsabilidade grave. Embora com problemas de consciência, tem se aproximado, após tais fatos, da mesa eucarística. Confessa-se, quinzenal ou mensalmente, acusando-se da responsabilidade que tem diante de Deus.

Pergunto:

1.º) é possível a adesão a atos que levam à polução, à noite, sem a adesão simultânea ao pecado mesmo da polução?

2.º) configura-se, no caso, alguma anormalidade que exija um tratamento especializado?

3.º) caracteriza-se, objetivamente, o pecado grave de masturbação?

4.º) pode a pessoa ser deixada com a consciência que se formou e recebendo os sacramentos, confessando-se apenas quinzenal ou mensalmente?” 

Resposta: O caso proposto pelo consulente merece exame criterioso, e isto porque hoje em dia a problemática da masturbação parece tornar-se mais frequente e aguda, principalmente entre mulheres e homens adultos. Nossa intenção é de nos restringirmos ao caso como foi apresentado à REB, e para um estudo mais aprofundado do problema recomendamos o excelente livro em tradução portuguesa, escrito por G. Hagmaier e R. W. Gleason: Novas Orientações de Psicologia Pastoral (União Gráfica, Lisboa 1962; cf. REB 1962, p. 537). O livro pode esclarecer o sacerdote sobre os mecanismos psíquicos subjacentes à masturbação, bem como sobre a atitude que o confessor tomará em face de tais casos. 

 

Dizem-nos os autores do mencionado livro que a masturbação é praticada de muitas maneiras, por gente de quase todas as idades, de ambos os sexos e devido a uma perturbadora variedade de motivos conscientes e inconscientes. Onde entram em ação os poderosos motivos inconscientes, aí temos um desses casos em que se exige intima colaboração entre o sacerdote e o psiquiatra, ou melhor, psicanalista. Ao lidar com casos crônicos, o sacerdote deveria saber sondar a motivação da atividade masturbadora. Isto, no entanto, constitui empreendimento bastante difícil, a menos que o sacerdote tenha uma formação psicológica ou psicanalítica correspondente. E, mesmo assim, insistimos na necessidade de o sacerdote colaborar com o psicanalista.

 

Não há dúvida alguma de que a masturbação, como foi apresentada na consulta, se reveste de caráter nitidamente patológico. O aspecto psiconeurótico do hábito é fator tremendamente poderoso. O embate da masturbação continua sobre o sistema nervoso cria um fluxo e refluxo de exigências e satisfações absolutamente independentes da escolha da vontade e do estímulo externo. É provocado um desejo ardente de satisfação, semelhante ao desejo de beber do alcoólatra ou de ingerir drogas do viciado. Sabe-se também que estas forças nervosas atuam independentemente do arbítrio ou da determinação do indivíduo, de sorte que o penitente sucumbe apesar de toda a boa vontade de se corrigir e de todos os esforços feitos neste sentido. Trata-se de verdadeira necessidade obsessiva que, em muitos casos, explica a persistência do hábito, afetando a vida sexual tanto do celibatário como do homem casado.

 

Aliás, no presente caso, o matrimônio não representaria nenhuma solução do problema. Pelo contrário, agravá-lo-ia ainda mais. 

Não pode para o sacerdote haver dúvida de que, do ponto de vista objetivo, a masturbação significa grave transgressão da lei natural. O sacerdote também sabe que na realidade existem casos em que a masturbação é praticada com absoluta deliberação e consentimento, de sorte que estão presentes os fatores exigidos pela Moral para que a transgressão da lei deva ser considerada pecado grave. 

Por outro lado, porém, lembrando os princípios gerais estabelecidos pela Moral, não podemos negar que a masturbação habitual, isto é, uma vez contraído o hábito da masturbação, implica uma frequente e muitas vezes significativa diminuição da liberdade, de forma que, em muitos casos, temerário seria imputar grave responsabilidade moral ao masturbador. Bem entendido, estamos aqui a falar do masturbador habitual, de quem o moralista H. Noldin afirma: “Acies intellectus et energia voluntatis debilitantur, adeo ut ii, qui huic vitio indulgent, etsi post lapsum eos poeniteat, a peccato tamen abstinere vix possint”. Em outro lugar, Noldin faz a seguinte advertência: “Concedi tamen debet illud (vitium pollutionis) saepius non unice a voluntate pendere, sed complexionem corporis plus minusve ad illud disponere atque impellere eiusque culpam moralem imminuere”. A enorme complexidade do problema, a variedade perturbadora das causas ocultas, a boa vontade evidente e o desânimo manifesto do masturbador contrito reforçam a impressão de que a vontade, subjugada pelas exigências habituais e compulsivas dos turbulentos impulsos físicos do homem, é em muitos casos insuficiente e impotente. 

 

Convém levar na devida consideração as palavras dos autores acima mencionados, quando ao confessor fornecem a seguinte diretriz: Se o hábito da masturbação persiste num indivíduo obviamente consciencioso, que procurou auxílio do diretor espiritual durante um longo período de tempo, há boas razões para supor que o hábito é compulsivo. Se o sacerdote, conhecedor dos mecanismos neurológicos e psíquicos, e o penitente chegam à conclusão de que não se trata dum caso de pecado mortal subjetivo, por haver defeito de liberdade, o penitente pode ser informado de que a confissão não é obrigatória antes de cada comunhão, especial- mente em se tratando de comungante diário. 

Sempre os teólogos moralistas admitiram que os maus hábitos e os impulsos das paixões diminuem a culpabilidade subjetiva. Sabemos hoje que uma motivação inconsciente pode influir poderosamente no indivíduo que contraiu o hábito de masturbação e pode, portanto, diminuir-lhe a responsabilidade. 

No caso proposto pelo consulente, somos da opinião de que a motivação inconsciente a dominar e escravizar a conduta do penitente poderia e mesmo deveria ser explorada por um psicanalista consciente e competente, pois só ele estará suficientemente equipado com os necessários recursos técnicos para debelar o mal psíquico. Só assim é que se poderá esperar algum resultado no combate ao hábito da masturbação. A nosso ver, o presente caso não é da alçada do confessionário, mas sim da clínica psiquiátrica ou psicanalítica. 

 

Aos itens formulados pelo consulente, tomamos a liberdade de dar as seguintes respostas:

1ª) Em estados de neurose compulsiva é perfeitamente possível a adesão a atos que levam à polução, sem adesão simultânea ao pecado mesmo da polução.


2ª) Pelas indicações dadas, pode-se concluir que no caso se afigura alguma anormalidade, talvez até bem séria, que não somente aconselha, e sim exige um tratamento psiquiátrico, ou melhor, psicanalítico.


3ª) Salvo meliore iudicio, no caso apresentado não se caracteriza subjetivamente o pecado grave de masturbação.


4ª) Levando em consideração as circunstâncias enumeradas e outras que se subentendem, julgamos ser de suma conveniência deixar o penitente com a consciência que ele se formou.

Spindeldreier, A. (1965). Masturbação nos Adultos. Revista Eclesiástica Brasileira, 25(1), 92–95. https://doi.org/10.29386/reb.v25i1.5124

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