Falar em faquirismo é lembrar fenômenos mirabolantes, normalmente impossíveis e milagrosos. Tal a associação popular ao mencionar esse tema.
Charles Godard assim se exprime: “Os faquires, segundo se diz, possuem, apesar de sua condição humilde, o poder de secar os rios e os mares, de abater as montanhas, dominar o fogo, as chuvas e as tempestades; de conhecerem o passado, o presente e o futuro e de encerrarem num círculo mágico todos os espíritos maus do universo”.
E comenta:
“É espantoso que tais semideuses não tenham feito cair o Himalaia sobre as cabeças dos conquistadores muçulmanos e cristãos do Hindustão!” (1).
É claro que tudo isto e muito mais que se refere dos faquires, se nos afigura, com toda razão, como fantástico. Não obstante, é forçoso reconhecer que realizavam coisas que confinam com o maravilhoso; pelo menos um diminuto número deles, entre os quais pode haver homens de talento ou dotados parapsicológicos. O erro está em generalizar.
A força motriz dos faquires é uma vontade fanática de inspiração religiosa. A isto unem os truques e um enorme poder de sugestão e hipnotismo sobre os espectadores. Essa magia constitui eficiente propaganda para o seu culto. No fundo também descobrimos um doentio exibicionismo e autopromoção diante do público, como inconsciente compensação pelas torturas que masoquisticamente se infligem. Um especialista em problemas relativos aos faquires escreve:
“Alguns desses fanáticos passam toda vida presos dentro de uma jaula de ferro; outros vivem cobertos de pesadas correntes; alguns fecham as mãos para nunca mais abri-las, de maneira que as unhas crescem, surgindo no dorso, depois de atravessarem as carnes. Uns levantam os braços para cima, seguram-se no galho de uma árvore, e assim permanecem até que os braços fiquem duros, secos, como dois pedaços de pau; outros fixam uma longa e pesada corrente nas partes pudentas e com ela caminham pelas ruas. Há os que se conservam de pé sobre uma só das pernas durante o dia inteiro, encostando-se, à noite contra uma corda esticada, assim como aqueles que viram a cabeça para um lado e se conservam assim até que o pescoço fique duro, imobilizado nessa posição” (2).
São verdadeiras penitências a que eles se submetem por um falso ascetismo.
Pequena amostra de fenômenos – Eis alguns dos principais fenômenos observados por Jacolliot com um determinado faquir de nome Convindasamy, e que podem ser agrupados em sete categorias: 1) Levitações; 2) Transportes; 3) Aderências ao solo; 4) Mediunidade musical; 5) Escrita mediúnica; 6) Vegetação (crescimento) acelerada e 7) Materializações.

Com referência a levitações, é o próprio Jacolliot que narra: “Pegando um bastão que eu trouxera do Ceilão, o faquir apoiou a mão direita sobre um ponto do corpo e pronunciados alguns conjuros mágicos, se elevou a dois pés do solo, com as pernas cruzadas à moda oriental, em posição muito similar às das estátuas de Buda. O fenômeno durou vinte minutos” (3).
E assim narra diversos casos por ele presenciados, tais como a aderência ao solo, de uma harmônica que toca espontaneamente, o fenômeno da escrita direta, um caso interessante de aceleramento do crescimento da semente de um mamoeiro, de um sepultamento e pseudo ressurreição.
César Lombroso refere o seguinte caso de sepultamento, que aqui incluo como mais uma amostra, por ser um fenômeno tão “badalado”.
“O faquir declarou estar pronto para sofrer a prova. O Marajá, o chefe “sike” e o General Ventura reuniram-se junto de um túmulo de tijolos, expressamente construído. Sob suas vistas, o faquir obturou com cera todos os orifícios do corpo que pudessem dar entrada ao ar, exceto a boca. Foi envolto num saco de pano, e segundo seu desejo, se lhe revirou a língua para trás, de modo a tapar-lhe a garganta. Súbito caiu em estado de letargia. O saco continha o corpo bem fechado, e o Marajá lhe apôs o seu selo. Colocou-se depois o saco num féretro de madeira, fechado à chave e selado, que foi introduzido na tumba, pondo-se-lhe em cima terra soca- da, na qual se semeou cevada, e por fim, postadas sentinelas em redor, com ordem de vigiar dia e noite…
Decorridos dez meses, fez-se a exumação. O General Ventura, o Capitão Wade e outros viram abrir os cadeados, romper os selos e retirar a caixa do sepulcro e destapar o corpo do faquir. Nenhum batimento no coração, nem no pulso, indicava presença de vida. Uma pessoa introduziu o dedo na boca do desenterrado e restabeleceu a posição normal da língua. Unicamente na parte superior da cabeça permanecia um calor sensível. Derramando-se com lentidão água quente na cabeça dele, obteve-se, pouco a pouco, algum sinal de vida. Ao termo de duas horas de cuidados, 0 faquir se ergueu e começou a andar. Este maravilhoso homem conta que, durante o seu sepultamento teve deliciosos sonhos, e que o instante de despertar é sempre penoso” (4).
Truques do faquirismo – O P. Carlos M. de Heredia (5) atribui toda fenomenologia faquírica a truques e fraudes. Nesse capítulo delicioso, onde fala do poder “ouscópico” dos faquires, revela todo segredo do sepultamento vivo e outros truques que tanta admiração causam aos “babilônios” do Ocidente. Quero somente destacar um tópico da página 50, de muita importância para nossa orientação.
“O professor Baldwin era um prestidigitador americano que foi à Índia com o intuito de estudar os famosos fenômenos produzidos pelos faquires e ver, se na realidade eram extraordinários ou apenas ardis daqueles hindus. Aos poucos foi ganhando a confiança de vários grupos de faquires aos quais maravilhava com suas sortes, “incompreensíveis para eles”. A troco de ensinar-lhes algumas destas, mas principalmente dando-lhes uma boa quantidade de rúpias, conseguiu Mr. Baldwin ir descobrindo um a um os ardis de que os faquires se valiam para efetuar seus “extraordinários fenômenos”, e de volta aos Estados Unidos, publicou em 1885 um livro chamado “The Secrets of Mahatma Land Explained” (Os Segredos da terra dos Mahatmas, explicados). Nele conta e explica o crescimento das plantas em poucas horas, e tantos outros fenômenos que na Europa e na América, tanto deram que pensar a não poucos escritores, atribuindo tudo a forças ocultas controladas pelos faquires.
Conclusões – Para quem investiga o assunto a fundo, vê desmoronar gradativamente, todo esse mundo faquírico “miraculoso”, como se desfaz uma montanha de gelo diante de fortes raios solares.
Paul Brunton, no seu livro “A Search in Secret India”, cuja primeira edição se esgotou na Inglaterra em 48 horas e que é considerado bem mais sério que a maioria das publicações congêneres sobre os mistérios da Índia, conta-nos que os faquires são lá numerosos, formando uma multidão obscura de acrobatas espirituais, contorcionistas, ilusionistas, prestidigitadores, profetas desequilibrados, que se servem de toda sorte de truques, circulando no meio de um povo de credulidade exagerada e cuja falta de espírito crítico ultrapassa todos os limites do imaginável. Mas fora disso, afirma que lá se observam também fenômenos parapsicológicos, além dos que habitualmente ouvimos contar.
Isso é evidente, pois entre tantos, haverá sempre algum dotado de faculdades parapsicológicas. A descrição onímoda dos faquires é triste, quase repugnante, pela pobreza e imundície em que vivem, sendo mantidos à custa de esmolas, que pela sua tradição religiosa, possuem a virtude de abrir as portas do céu.
Não esqueçamos que o Tibet, que era o último reduto de ocultistas e talvez a esperança de nossas secretas aspirações místicas, viu os seus mistérios pulverizarem-se de maneira inesperada e impressionante, por ocasião da dominação inglesa em 1904. O Dalai-Lama, encarnação da divindade e pai espiritual de centenas de milhões de budistas, fugiu e nunca mais foi encontrado.
Nos santuários e conventos “onde formigavam mais de trinta mil monges resignados e indiferentes, não foram descobertos senão os restos da mais antiga religião que se compunha em superstições pueris, no mecanismo de moinhos de orações, e na mais deplorável feitiçaria. Assim desmoronou-se o supremo asilo do mistério e foram entregues aos profanos, os últimos segredos da Terra” (6).
O exemplo merece ser levado em consideração, a fim de que nós, dentro da nossa civilização atual, não penetremos por caminhos idênticos, deixando de lado a realidade que afinal, tem sido o fator fundamental do nosso progresso.
Só mesmo quem acredite ingenuamente nas maravilhas dos faquires, lamas e derviches da Índia, pode afirmar que eles possuem segredos que a ciência ocidental está longe de suspeitar; que a ciência psicológica europeia se encontra ainda no estágio de sua primeira infância, em comparação à asiática; que os iniciados daquelas terras conseguem com facilidade manifestações parapsicológicas de telepatia, de levitação e inúmeras outras, enquanto nós, no mesmo terreno, não conseguimos senão arremedos, insignificantes e somente à custa de grandes dificuldades.
Tudo isso são tremendos exageros de quem pouco, ou nada conhece. Como aceitar informações de décima, vigésima mão, essas crendices populares, essas frivolidades tão inverossímeis, que nos querem impingir a todo transe!
Sejamos razoáveis e exijamos provas científicas garantidas e irrefutáveis, provas essas que nunca, até hoje, nos foram apresentadas.
1) Oliveira, Martins – “Magia do Fogo”, Ed. Livraria Progredior, Porto, 1958, 1.0 vol., 2.ª edição, pág. 51.
2) Buscher, Gustav – “Das Buch der Wunder”. Trad. espanhola: “El Libro de las Maravillas”, Editorial Mateu, Barcelona, pag. 269.
3) Jacolliot, Louis -“Le Spiritisme dans le Monde”, Paris, 1875.
4) Lombroso, Cesar – “Hipnotismo e Mediunidade”, FEB, Rio, 1.ª ed., pags. 183ss.
5) Heredia, C. M .: “As Fraudes Espíritas e os Fenômenos Metapsíquicos”, Vozes, Petropolis, pags. 50-54.
6) Cfr. Mello. A. da Silva – “Mistérios e Realidades deste e do Outro Mundo”, Jose Olympio Ed., Rio, 2.ª edição, 1950.