Conforme prometido – e antes que vocês me matassem – aqui está um dos melhores artigos de parapsicologia que aborda essa disciplina no campo católico, explicando as diferenças e matizes das mais diversas escolas enquanto também apresenta um pouco de seus mais proeminentes personagens.

A tradução é de Mario Umetsu, um esforçado e nada profissional tradutor, e o original em inglês “Catholic views of parapsychology” integra o exemplar do International Journal of Parapsychology, vol. VI, No.4, de 1969. Sua autora, a católica Renée Haynes, também escreveu uma pujante bibliografia do papa Bento XIV, além de ter sido sobrinha de Aldous Huxley.  E assim vamos nós:

 

A parapsicologia sob a visão católica

O chamado fenômeno paranormal está intimamente ligado à história e teologia da crença religiosa. Embora seja frequentemente associado às religiões do Oriente, seu significado no cristianismo, principalmente na Igreja Católica Romana, merece uma exploração contemporânea.

Ao discutir este assunto é essencial ter clareza a respeito do sentido do termo “parapsicologia”. Tal palavra é muitas vezes usada livremente para incluir não apenas a disciplina científica da pesquisa psíquica, mas também as idéias básicas de vários grupos que investigam fenômenos paranormais de pontos de vista semi-religiosos e usam suas descobertas para apoiar a estrutura de seus pressupostos. Tais grupos incluem espíritas, teósofos e várias seitas gnósticas que sustentam que a “matéria” é ilusória e/ou má e que somente o “espírito” é bom.

Como o católico está comprometido com certas crenças definidas, ele não pode se identificar com grupos que ensinam outras diferentes. Assim como não pode ser marxista porque afirma a existência de Deus enquanto o marxismo a nega, também não pode ser espírita porque acredita na divindade de Cristo –  a quem o espiritismo considera apenas “um notável médium judeu” –  ou um teósofo, porque os princípios da teosofia são incompatíveis com os seus, notadamente na doutrina da reencarnação; ou qualquer tipo de gnosticismo, porque nele se sustenta que a matéria é boa e potencialmente sagrada, e que o mal afeta tanto o espírito quanto o corpo.

Além disso, ele é proibido de buscar forcas de fora dos desígnios de Deus, tentando deliberadamente descobrir seu futuro junto a adivinhos ou tentando contato com as almas dos mortos. Se lhe for dado um lampejo espontâneo de precognição ou uma consciência espontânea da presença do morto, nada teria de culpável; mas tais coisas não devem ser procuradas. Ele pode, no entanto, “examinar sem preconceito ou preconceito, e com espírito científico aquelas faculdades do homem, reais ou supostas, que parecem ser inexplicáveis em qualquer hipótese geralmente reconhecida” – o propósito declarado da Sociedade de Pesquisa Psíquica, Londres, de quem são essas palavras.

Um dos primeiros católicos a investigar a faculdade de precognição foi o filósofo do Tomás de Aquino, no século XIII. Contra a opinião do pensador islâmico Avicena, de que a profecia dependia de “intensa pureza de alma”, ele sustentou em sua De Veritate (1) que ela poderia ocorrer e ocorreu não apenas em homens sem santidade, caridade ou bom caráter moral, mas também em pássaros, animais e insetos; criaturas não racionais. Ele considerava a faculdade em si como moralmente neutra; poderia ser ativada por estímulos naturais, bem como pela influência direta de Deus, ou de espíritos bons ou maus. Ele também observou que ela pode se manifestar de quatro maneiras, as três últimas das quais só podem ser verificadas no homem: em um impulso inexplicável ao movimento, em sonhos, em visões conscientes (uma espécie de sonhos lúcidos) e em impressões intelectuais diretas, sem imagens.

Quatrocentos anos depois, Próspero Lambertini, depois Papa Bento XIV, começou a examinar vários aspectos da parapsicologia. Ele freqüentemente trabalhou como Promotor Fidei, ou advogado do diabo, em investigações da vida daqueles que se acreditava serem dignos de reconhecimento ao cânone. Nesse papel, era seu dever apresentar todas as explicações dos eventos registrados, além da santidade do indivíduo em questão. Ele estava particularmente envolvido na distinção entre fenômenos parapsicológicos e milagres. Seu interesse por este aspecto de seu trabalho havia sido despertado pelos curiosos eventos do início da década de 1730  no cemitério de São Medardo, próximo a Paris, onde trances, convulses e curas de paralisias histéricas ocorreram (de maneira semelhante ao que mais tarde ocorrera nas reuniões de Franz Mesmer, onde as curas eram atribuídas ao “magnetism animal”, e não mais à santidade de outrem). Ele observou (2) os poderes da imaginação em “gerar cinomose e . . . faze-las desaparecer” e na diminuição da dor, e distinguia em termos de seu tempo entre doenças funcionais e orgânicas. Ele estabeleceu como uma questão de princípio que, antes que qualquer questão voltada a uma cura milagrosa fosse levantada, deveria ser estabelecido que a doença havia sido grave, não mostrando nenhum sinal prévio de melhora; que tenha se dado repentinamente; que, posteriormente, deve-se pedir a opinião de um especialista nessa doença; e que o paciente deve ser reexaminado após um intervalo para determinar se a doença retornou ou se outra tomou seu lugar (uma condição muito perceptiva esta, em uma época sem quaisquer conhecimentos científicos sobre a impressioannte capacidade dos transtornos histéricos em imitar sintomas de diferentes doenças ou da forma como uma condição alérgica pode alternar com outras, como asma, rinite alérgica e eczema).

Ele observou que “de qualquer parte do corpo de um homem o fogo pode irradiar naturalmente […] na forma de faíscas” e concluiu que fenômenos como este (eletricidade estática) não tinham nada a ver com santidade, de uma forma ou de outra. Discutiu a profecia, na qual incluiu “conhecimento do porvir, coisas passadas, eventos presentes distantes no espaço e os lugares secretos do coração” – ou seja, aqui que a parapsicologia trará como precognição, retrocognição, clarividência e telepatia – e observou que era coisa transitória que ocorre em “tolos, idiotas, pessoas melancólicas e bestas brutas”, bem como em santos. Sendo assim, Bento classificou as visões em três tipos: as primeiras eram desencadeadas por causas naturais como jejum, falta de sono e uso de drogas psicoativas  alucinógenas como o meimendo (frequentemente ingerido pelas bruxas de outrora, e provavelmente incluído na preparação de gordura e ervas – incluindo o acônito e beladona mortal – com os quais elas se ungiam antes de decolar em seus vôos imaginários sobre vassouras pelo imenso céu noturno. Um exemplo antigo de investigação objetiva pode ser encontrado nos procedimentos de um dominicano do século XV (15) que, investigando o caso de uma mulher que se dizia bruxa, sentou-se pacientemente ao  lado dela após vê-la ingerir sua poção e esfregar na pele o unguento, e a observou adormecer. Ela se contorceu por algum tempo até que um solavanco violento a atirou ao chão. Acordando, a triunfante bruxa dizia orgulhosamente que o pobre sacerdote não poderia negar o que presenciou, desde que a viu voar para longe e plainar de volta depois de bailar  no sabbat. Ele então afirmou que nada passara de um sonho da feiticeira.

Para o futuro papa Bento XIV, o Segundo tipo de visão era sobrenatural (paranormal) e não estava necessariamente encerrado nem à santidade e nem às atividades dos espíritos malignos, embora essas possibilidades tivessem que ser consideradas. Nesta categoria, ele inclui aparições espontâneas de mortos, que podem dar informações sobre testamentos perdidos (como mais tarde no famoso caso Chaffin) ou pedir sepultamento e orações; imagens religiosas projetadas e fantasmas dos vivos. Ele dá, incidentalmente, um relato fascinante de como um homem aparecera para outro, a muitos quilômetros de distância, e manteve conversação – e como ambos relataram independentemente o mesmo incidente.

O terceiro tipo de visão era “intelectual”, sem imagens; uma categoria que presumivelmente poderia abranger uma ampla gama de experiências, desde um simples insight ou palpate até um lampejo de intuição religiosa.

Lambertini discutiu êxtases e transes que, como obrervou, podem ser causados por doença (como na catalepsia), por intensa concentração intelectual ou por um tipo particular de composição psicofísica, bem como por uma consciência absorvida na Presença de Deus. Ele foi – com bastante relutância – intelectualmente assediado pela evidência de que a levitação poderia ocorrer (figurou como advocatus diaboli no caso de São José de Cupertino, um caso que ele abordou com forte relutância contra a autenticidade dos relatos dos “vôos” daquele insólito beato). Aqui, como em outros casos, ele concluiu que tais fenômenos não eram necessariamente uma prova de santidade, embora pudessem acompanhá-la. O essencial é, nas palavras de São Gregório, “amar a todos como a si mesmo e ter os pensamentos todos escorados em Deus”.

Aqui estão os primórdios da investigação católica sobre os fenômenos psi. Tomando como certo que Deus existe, que existem entidades não-humanas desencarnadas – boas e más – e que a alma sobrevive à morte corporal, ela não é influenciada pelo desejo de buscar e usar dados parapsicológicos que sustentem essas crenças. É interessante notar que por muitos séculos os filósofos católicos parecem ter sido os únicos a reconhecer a existência de ocorrências paranormais como tais. As reações mais comuns têm sido atribuí-los todos, sem exceção, à atividade dos espíritos, ou, como Hume, negá-los como impossibilidades, atribuindo relatos bem verificados características de erro, fraude deliberada, histeria ou insanidade.

Há uma área particular em que os achados da pesquisa psíquica podem ser especialmente valiosos para a investigação católica: os casos de suposta possessão diabólica. Aqui pode ser útil registrar a opinião (16) de um psiquiatra britânico muito conhecido que morreu em 1961, Dr. E. B. Strauss, D.M., F.R.C.P., Exmo. D.Sc. Frankfurt, Croonian Lecturer 1952, Presidente da British Psychological Society 1956-57, e consultor em medicina psicológica de um famoso Hospital de Londres. Homem de grande conhecimento, larga experiência clínica e docente e profundo senso comum, depois de mais de trinta anos de experiência prática e pesquisa científica em todo tipo de transtornos psiquiátricos, reconheceu ter encontrado alguns casos em que a possessão diabólica parecia ser a única possível explicação.

O Rituale Romanum prescreve o exorcismo leve para ajudar o paciente em tais casos: mas o exorcista não deve ser um homem impressionável que aceite com facilidade a realidade da posse. Talvez seja conveniente evocar um outro artigo meu para o The Month (9). Desde 1583, o padre que investiga supostos casos de possessão tem o dever de “zelar para que não seja enganado ao tentar exorcizar melancólicos, lunáticos e ensorcelés (presumivelmente aqueles que sofrem dos efeitos da sugestão mais acentuadamente); estes devem ser cuidados por médicos. Hoje em dia também é aconselhado visitor um neurologista ou psiquiatra, e ter em mente que “telepatia, telecinese e radiestesia podem ser ocorrências naturais e moralmente neutras”. Dupla personalidade e discursos em línguas desconhecidas do possesso (desde que a criptomnésia tenha sido descartada) ainda podem ser considerados como possíveis sintomas de possessão. É interessante notar como o teste de posse descrito em um artigo de F. Maquart em um volume recente dos Études Carmélitaines (11) se assemelha ao método de associação de palavras desenvolvido por Whately Carington para determinar se o ‘controle’ de um médium é, na verdade, uma entidade independente ou um fragmento cindido da psique; “se – conclui F. Maquart – o ‘espírito’ apresenta o mesmo sistema de associações que o sujeito, deve-se duvidar muito da possessão”. Padre Tonquedec, escrevendo no mesmo volume sobre a questão de saber se o fato de alguém falar em uma língua desconhecida poder ser explicado pela telepatia com os presentes que a entendem, ressalta que nas comunicações telepáticas o que é dado ao percipiente não é uma informação precisa, mas uma imagem, um fragmento ou elementos incompletes cujo significado ainda precisa ser revelado, e que o percipiente interpreta de acordo com suas faculdades naturais e suas próprias idéias. Se ao sujeito são perguntadas questões laborosas em língua desconhecida e ele responde conveninentemente “ isso não se parece com o funcionamento comum da telepatia. . . simbólico, obscuro, geral’”(18).

Embora todos os católicos abordem a pesquisa psíquica a partir da mesma base de credo, suas atitudes em relação ao assunto e as  interpretações de suas descobertas devem diferir de acordo com seu temperamento individual, currículo e julgamento, e devem inevitavelmente ser influenciadas por sua cultura. e antecedentes históricos. Em um país, o estudo da parapsicologia pode sempre ter sido realizado pelo ângulo científico; em outro pode ter sido despertado pelo voduísmo e da magia primitive; em um terceiro, das armadilhas e labirintos do ocultismo; em um quarto da teoria e prática espiritualistas, e assim por diante.

Há céticos radicais, como os associados ao Le Comitê Belge pour l’Investigation Scientifique des Phénomènes dits Paranormaux, fundado em 1948. Seus critérios são puramente quantitativos e matemáticos, a tal ponto que em um experimento realizado em 1953 ignoraram os 70 % de sucessos alcançados por uma mulher, uma vez que este valor não afetou significativamente a média geral alcançada por todos os 300 participantes que colaboraram. De resto, há três abordagens principais, que proponho chamar – de forma bastante arbitrária – de gótica, latina e geral.

O gótico, que não está preocupado com a investigação metódica, sustenta que a função psi é uma sobrevivência vestigial de uma faculdade humana encontrada em perfeição antes da Queda: a decisão do homem de servir a si mesmo e não a Deus distorceu e desintegrou parcialmente os padrões da personalidade hmana. Padre Pedro Meseguer, S.J., descreve esta ideia em seu “O Segredo dos Sonhos” (12) como uma “teoria da espiritualidade original”, e assim a esclarece. “a alma humana é simples, espiritual e imortal, ainda que dependente dos sentidos e do cérebro enquanto está unida ao corpo. (…) Em certos estados em que essa união com o corpo é relaxada ou modificada de alguma maneira desconhecida, a alma pode realizar atos mais próprios de um espírito separado ou da natureza humana não decaída”. Ele observa que essa hipótese é vista com dúvida por alguns teólogos. Foi proposto pelo padre Alois Wiesinger, cujo Okkulte Phanomene in Lichte der Theologie (20) apareceu na Áustria em 1952. Um de outras épocas, ele escreveu sem conhecimento dos conceitos freudianos ou junguianos da mente inconsciente, e baseou sua teoria nos principais em relatos de casos espontâneos.

Suas opiniões, no entanto, são endossadas pela escritora alemã Ida Görres (6), que assim como ele aparenta conhecer pouco a pesquisa psíquica como disciplina científica. Ela desaprova, por exemplo, qualquer investigação fisiológica dos “místicos jejuadores”, que podem oferecer evidências fascinantes de interação psicofísica. Além disso, sua definição de parapsicologia é mais do que surpreendente para aqueles que a associam em grande parte ao que tem sido chamado de “indústria de formigas” de pacientes experimentais com cartões como os de Zener e de estatísticos igualmente pacientes avaliando os resultados de seus experimentos. Ela vê isso como “uma aventura para penetrar em uma esfera estritamente perigosa, elevando os espíritos dos mortos . . . forçando-os … a responder a perguntas” e “produzindo fenômenos desse tipo por todos os tipos de artes”(7). Essa visão do problema, assombrada pelas imagens de Fausto e dos necromantes medievais mais do que de figuras sóbrias como o Dr. J. B. Rhine e o Dr. Robert H. Thouless, provavelmente leva um estudioso a um beco sem saída.

Notável entre os católicos alemães que abordam os dados parapsicológicos de um ângulo científico foi o astrônomo, professor Alois Gatterer, S.J., do Observatório Castel Gandolfo. Ele estava particularmente interessado em fenômenos físicos, e será lembrado por seu livro Der Wissenschajtliche Okkultismus und sein Verhaltniszur Philosophic (O ocultismo científico e sua relação com a filosofia).

A abordagem latina do assunto é mais abstrata do que empírica. Onde o investigador inglês ou americano acumula dados, faz e testa hipóteses e só então começa a apresentar interpretações de suas descobertas, os escritores de língua latina, criados em uma tradição intelectual diferente, tendem a formular princípios gerais primeiro e depois examinar os fatos sob sua luz. Esse método é útil para garantir que todos os preconceitos internos sejam definidos e que não haja suposições ocultas no argumento a ser descoberto e reformado. Embora sua falta de familiaridade às vezes traga um trabalho árduo para o leitor, o esforço tende a  valer a pena. Na França, o padre Reginald-Omez, O.P., que escreveu muitos livros e artigos sobre vários aspectos da pesquisa psíquica, produziu em seu Supranormal ou Surnaturel? (14) uma breve e certeira avaliação do assunto como um todo. Talvez um comentário sobre uma tradução literal do título original, Supernormal ou Supernatural, possa ser útil, pois ilustra um ponto cardeal. Os pensadores católicos distinguem entre diferentes níveis do ser. Assim, por exemplo, a psique de um animal, incapaz de pensamento linguístico e  matemático, difere da psique humana. A psique humana novamente difere da mente de uma entidade desencarnada que não experimenta nem se expressa através do corpo; e todos são diferentes do Ser auto-existente de Deus, com quem estão ligados pelo fato de que Ele os criou e os sustenta. O sobrenatural, então, na linguagem católica, não é um epíteto vago associado a fantasmas horríveis que rangem arbitrariamente as correntes. Indica de maneira bastante simples e precisa algo fora da ordem natural, dos níveis de ser com os quais os físicos, biólogos e estatísticos se ocupam e que são suscetíveis de investigação por métodos científicos. O homem é um ser natural e um ser sobrenatural, e pode-se arriscar supor que um estímulo de qualquer ordem possa atingir sua consciência por meio da função psi. Em todo caso, ambas as ordens de ser incidem sobre ele e se fundem em sua experiência total.

A preocupação do padre Reginald-Omez é dissecar esses componentes da experiência total e distingui-los precisamente uns dos outros. Ele o faz conscienciosamente, minuciosamente e com um desconcertante pelos limites das diferentes disciplinas intelectuais – teologia, filosofia, psicologia – o que provoca o protesto de que esses campos de pensamento não são de fato descontínuos; eles foram mapeados por pensadores para sua própria conveniência: coexistem e se interpenetram. Nem suas fronteiras nem suas terminologias devem ser sacrossantas; qualquer tentativa de separá-los uns dos outros, de erguer fronteiras de arame farpado entre eles, só pode retardar a integração do conhecimento. Onde seu assunto se sobrepõe, certamente deve ser examinado por todos a quem é de interesse.

A conclusão do padre Reginald-Omez é diametralmente oposta daquela alcançada por Wiesinger. Ele sustenta que a função psi é atávica, a sobrevivência de uma forma primitiva de comunicação irrelevante no mundo moderno; que a pesquisa psíquica será muito provavelmente absorvida pela pesquisa psicológica, como já aconteceu com o estudo da hipnose; e que à Igreja serão relegados somente problemas como a possessão.

A contribuição (13) do padre Pedro Meseguer, S.J., embora igualmente clara, é muito mais rica e menos elaborada na abordagem do assunto. Vice-Presidente do Sétimo Congresso Católico Internacional de Psicoterapia e Psicologia Clínica em Madrid em 1957 e Presidente da Secção Parapsicológica da Sociedade Espanhola de Psicologia, está em contacto com os avanços pelo globo. Ele está familiarizado com o trabalho da Society for Psychical Research, de Londres, do S.P.R. norte-americano, de Rhine, Dunne, Broad, Tyrrell; cita o estudo do Padre Tonquedec sobre doenças nervosas e manifestações diabólicas, e Karl Rahner sobre Visionen und Prophezeiungen; e, como já foi observado, discute e rejeita a teoria de Wiesinger, como a idéia de que possa ser possível haver telepatia entre humanos e animais.

Ele estabelece que os fenômenos parapsicológicos só devem ser atribuídos às atividades dos anjos, das almas dos mortos ou dos demônios se nenhuma explicação alternativa for encontrada; mas estranhamente atribui o que é conhecido como “bilocação” na vida dos santos à intervenção direta de Deus. Esta ocorrência assemelha-se muito ao que é chamado em outros contextos como “fantasma dos vivos”, e não está muito claro por que ele utiliza uma classificação deveras diferenciada.

Ele aceita a clarividência e a telepatia como fatos naturais, e acha improvável que “ondas físicas” estejam envolvidas em qualquer forma de percepção extra-sensorial, embora reserve julgamento quanto à possibilidade de que radiações humanas sui generis possam existir. Observa que o próximo passo a ser dado é a investigação sobre as condições em que a alma pode se comunicar sem o auxílio dos sentidos, prescindindo da distância e dos obstáculos. Sua própria sugestão é que entre as “franjas” da mente consciente há uma aberta a atividades heteropsíquicas. Na saúde, um mecanismo semelhante ao conceito freudiano de censor controla a irrupção na consciência do conteúdo desta, entre as outras “franjas”. Fadiga, choque, embriaguez, sono e doença tendem a enfraquecer esse controle, e o conteúdo infiltrando se manifesta. Na esquizofrenia, eles podem transbordar.

Ele não considera, no entanto, a infiltração como uma anormalidade ou uma aberração. Afirma que a capacidade comprovada do homem de “fazer uso de faculdades cognitivas extraordinárias deve ter consequências de longo alcance em nosso conhecimento da natureza humana”. Também reconhece que o impacto da graça ou do mal pode muito bem criar uma “situação parapsicológica”; o que implica o reconhecimento de psi como uma faculdade totalmente operativa no nível humano, não como um mero retorno às formas primitivas de comunicação.

Embora o padre Meseguer tenha o cuidado de observar que a opinião teológica varia sobre as atividades das almas separadas (isto é, as dos mortos), ele mesmo sustenta que somente como resultado da atividade sobrenatural de Deus eles podem aparecer ou se comunicar com o vivo. Eles não podem agir sobre os corpos humanos, pois estão destinados pela natureza a afetar apenas o corpo em que habitam. Isso não parece muito compatível com sua teoria da “franja heteropsíquica” através da qual eles afetaram a psique – e portanto os corpos de outros seres – durante sua existência física.

Ele aceita a ocorrência de clarividência e telepatia mesmo que violem as leis do espaço, mas rejeita a possibilidade de retrocognição natural e precognição porque violariam as leis do tempo eas atribui à telepatia entre vivos; no que diz respeito à precognição, o percipiente estaria ciente das intenções humanas e das causas presentes que se combinarão para trazer eventos futuros. Postula, no entanto, que Deus às vezes pode conceder uma visão direta de um evento futuro em si mesmo como “profecia autêntica, que não é precognição natural, mas miraculosa”.

Algumas das idéias do padre Meseguer serão um tanto estranhas para o leitor acostumado aos modos de pensamento inglês e americano, notadamente que a “natureza” destina isso e aquilo, e que as “leis” do espaço e do tempo são como que  comandos legais e não generalizações científicas tomadas a partir do fato observado. Isso é em grande parte uma questão de semântica.

Em sua acachapante objetividade, o trabalho do falecido padre Herbert Thurston, S.J., é de valor incalculável. Membro da S.P.R. britânica, familiarizado com os problemas da histeria e da neurose; um historiador erudito, capaz e entusiasta, homem da maior integridade acadêmica, apaixonado por descobrir e estabelecer a verdade, ele coletou e verificou nos limites do humanamente possível os exemplos de fenômenos psi na vida de santos e místicos e comparou-os com exemplos semelhantes na vida daqueles sem nenhuma reivindicação particular de santidade. Um de seus objetivos, conforme estabelecido na obra Physical Phenomena of Mysticism (17) publicada postumamente, era simplesmente “descrever e classificar fatos”. Esta peça contém um  material fascinante, grande parte extraído “da evidência acumulada nos Processos de Beatificação e Canonização muitas vezes mais notável e notavelmente melhor atestado do que qualquer outro encontrado nos Proceedings of the Society for Psychical Research”. Uma observação na ocasião da análise da levitação em diversos santos – como  também em D. D. Home –   assim comunica: “no estado atual de nosso conhecimento, parece-me que não podemos decidir se os efeitos descritos transcendem ou não o alcance possível do forças psicofísicas da natureza”; um comentário paralelo ao do jejum mantido por Theresa Neumann: “devemos suspender o julgamento até que a ciência médica possa se pronunciar mais positivamente sobre as faculdades anormais de indivíduos paralíticos com neuroses complicadas”. O volume também examina relatos de fenômenos luminosos, desde a Idade Média até a luminosa mulher de Pirano, em 1934; a curiosa ocorrência de alongamento corporal em várias freiras, tanto quanto como novamente no médium D. D. Home; estudos de casos de telepatia, clarividência e deslocamento dos sentidos (os da inglesa Mrs. Croad e da americana Mollie Fancher, fornecem paralelos com a “leitura pelos dedos” relatada na União Soviética e nos Estados Unidos em 1963-1964); o odor de santidade; telecinese; atravessar o fogo; estigmatização, a condição em que o corpo retrata a imagem que domina o psiquismo. Entre as maiores contribuições do padre Thurston para a parapsicologia estavam sua imensa erudição, a clareza e objetividade com que lidava com seus dados e sua capacidade de demonstração da extraordinária plasticidade com que em certos temperamentos o físico se deixa moldar pela imaginação.

Um dos mais interessantes parapsicólogos católicos contemporâneos é o professor Dr. Gebhard Frei. Sacerdote, teólogo, especialista em psicologia junguiana e conferencista no Seminário Bruder Klausen na Suíça, é um dos três membros do Praesidium da Internationale Gesellschaft Katholischer Parapsychologen (Associação Internacional de Parapsicólogos Católicos). Essa associação afirma que a pesquisa psíquica é uma ciência empírica, tirando suas conclusões de experimentos objetivos e hipóteses testadas, e que suas conclusões são de suma importância para a filosofia, teologia, mística e apologética. Os objetivos da associação incluem o incentivo à discussão culta, a promoção de mais pesquisas e a integração de suas descobertas no pensamento católico romano.

O Dr. Frei é conhecido do público ingles principalmente por seu pós-escrito ao admirável Deus e o Inconsciente, do falecido padre Victor White, e por um artigo no Tomorrow (5) sobre a Visão do Papa Pio XII. Como isso é escrito em um contexto puramente religioso, o Dr. Frei é capaz de notar que, a menos que se acredite em Deus, tal visão deve necessariamente ser descartada como subjetiva (o que não poderia, é claro, ser dito de alucinações legítimas desencadeadas por telepatia entre seres humanos). Assumindo a possibilidade de que tal visão seja objetiva, ele observa que se o experimentador é uma pessoa de inteligência e integridade e está convencido de que é genuína, provavelmente é; embora (como acontece com experiências psíquicas não-religiosas) o núcleo possa brilhar através de teias de associações pessoais irrelevantes. Em conexão com isso, ele observa que aqueles que têm visões de deuses pagãos podem experimentar uma realidade mais elevada nos termos visuais que “vêm naturalmente” para eles. Ele evoca o psiquiatra católico francês, Dr. Jean Lhermitte, dizendo que “a certeza dos místicos não é diferente daquela das pessoas que sofrem de alucinações”; um ditado que, incidentalmente, não é confirmado pela observação do Dr. Donald West de que “as experiências relatadas aos parapsicólogos são geralmente diferentes em qualidade e frequência das alucinações associadas a doenças mentais e estados fisiológicos anormais” (19). O próprio Dr. Frei cita, contra o ponto de vista do Dr. Lhermitte, as observações de São João da Cruz de que visões e vozes podem vir da própria psique, de Deus, de seres ligados a Deus ou do diabo; que aqueles que vêm de Deus são reconhecíveis porque dão energia, coragem, amor ao próximo, fé e profunda paz de espírito; e que elas acontecem porque “Deus afeta a alma de tal maneira que dela surgem as imagens, palavras e ideias demasiadamente particulares e apropriadas”. Aliás, o falecido Padre Martindale, S.J., pensou que os fenômenos de Fátima poderiam ser explicados nestas linhas.

Entrei em alguns detalhes sobre este ensaio em parte porque ilustra a atitude do Dr. Frei de forma tão clara e em parte porque grande parte de seus outros trabalhos é inacessível. Suas muitas publicações incluem artigos em alemão e holandês sobre radiestesia, psicologia, parapsicologia e generalidades, parapsicologia e magia; pensamento simbólico e mágico, parapsicologia e misticismo, Budismo zen, sabedoria oriental e occidental, e uma ampla gama de assuntos cognatos. Infelizmente, a maior parte deles está esgotada e nenhum volume coletado foi publicado. Por causa disso, escrevi para perguntar se ele poderia me conceder uma breve declaração geral de seus pontos de vista. Ele então respondeu: “a meus alunos eu disse ontem que se eu pudesse escrever um livro de filosofia meu lema seria a proposta da Srta. Haynes de que a pesquisa psíquica pode ser a base de uma filosofia integrada totalmente inédita desde a Suma de Tomás de Aquino no século XIII. Acrescentou também que sua saúde não era boa o suficiente para ele realizar tal trabalho. Em vista disso, esboçarei brevemente o argumento apresentado para consideração em meu próprio livro, The Hidden Springs (10), no qual a pesquisa psíquica é vista como um elo entre biologia e teologia.

Este argumento defende que nos animais a função psi aparenta surgir inicialmente como instinto, ligando-os com a “forma e design de comportamento de cada espécie” postulado por Sir Alister Hardy, F.R.S.; que, à medida em que as espécies desenvolvem a capacidade de aprender, uma mente grupal, através da qual opera a telepatia, constrói-se “a partir da experiência inconscientemente compartilhada por todos”); e que ambas continuam a existir na espécie humana, que tem, além disso, o poder de raciocínio particular e escolha individual. Como resultado dessa escolha consciente e deliberada conhecida pelos teólogos como na Queda, a mente do grupo humano se separou da forma e do design de comportamento para a espécie humana, deixando cada um de seus membros inquieto, primeiro, que certos padrões de comportamento devem ser seguidos e outros rejeitados e, em segundo lugar, que ele frequentemente se sente impelido a fazer exatamente o oposto. Cristo cumpriu e transcendeu a lei, mostrando que não era uma série de decretos arbitrários, mas um meio para um fim, e trazendo à existência uma nova mente grupal, espontânea e livre, na qual o indivíduo reovado poderia alcançar esse fim: conhecer o amor e servir a Deus, e desfrutar de Sua Presença para sempre. Psi ainda o liga com seus contemporâneos e seus antepassados ​​e todo o inconsciente coletivo da humanidade, cujos impulsos bons, maus e neutros fluem para ele como antes; mas também o liga à nova mente grupal e às fontes da graça que brotam daqueles que são membros uns dos outros em Cristo.

 

Um levantamento tão breve como este pode fazer pouco mais do que esboçar as principais tendências de opinião, e não se mostrou possível mencionar individualmente todos os colaboradores católicos ao estudo da parapsicologia. Espero, no entanto, que nenhum ponto de vista tenha sido omitido.

Algo mais talvez deva ser dito. Muitas sugestões foram feitas para novas perspectivas, novos métodos de experimentação na pesquisa psíquica, e um grande número deles exige o uso de alucinógenos. Assim, o professor Broad (4) escreve sobre a necessidade de encontrar meios de “induzir poderes paranormais em pessoas comuns e sustentá-los em alto nível por um tempo considerável” para que testes adequados possam ser realizados. Ele indica que “as linhas de abordagem mais promissoras” para esse problema parecem ser “investigar os efeitos de certas drogas, da sugestão hipnótica e de certos tipos de treinamento mental e físico”, como, presumivelmente, as técnicas de ioga. Mais uma vez, o British Medical Journal (31 de agosto de 1963) relatou que psicólogos norte-americanos criaram um órgão intitulado “Federação Internacional para a Liberdade Interna”. O principal objetivo desse grupo, desde que dissolvido, era “investigar os aspectos psicodélicos (como que “ativadores” da mente) dos alucinógenos”. Para isso, o I.F.I.F. pretendia abrir em todos os Estados Unidos uma cadeia de Centros de Alegria e Felicidade onde suprimentos de tais drogas estariam disponíveis para cobaias humanas.

 

Não sei quão séria era essa proposta; no entanto, o colossal brio do esquema e as encantadoras iniciais simbólicas da Federação não devem, no entanto, obscurecer o fato de que muitos projetos de menor escala envolvendo o uso de drogas estão sendo discutidos atualmente. Acho extremamente improvável que os católicos se sintam capazes de participar de experimentos desse tipo, ou mesmo de qualquer deliberadamente projetado, mesmo que temporariamente, para prejudicar o equilíbrio, o julgamento, a integridade e o autocontrole humanos.

 

REFERÊNCIAS

  1. aquinas, st.thomas: Summa Theologica. by the Fathers of the English Dominican Province. London: Bums & Oates, 1935.
  2. azavedo, e. de: BenedictaePapae XIV doctrina de Servorum Dei Beatifica- tione et BeatorumCanonizatione in synopsim redacts ab E. de Azavedo,S.J., 1751.
  1. blunsdon,: A Dictionary of Spiritualism. London: Arco, 1962.
  2. broad, D.: Lectures on Psychical Research. London: Routledge&Kegan Paul, 1962; New York: The Humanities Press, 1962.
  3. frei,: Pope Pius XII and Visionary Experience. Tomorrow,Summer 1956.
  4. goerres, i.: Broken Lights. London: Bums & Oates, 1964.
  5. : op. cit.
  6. hardy, a.: Biology and Psychical Research. Proceedings SPR, 1953.
  7. haynes,: Psychical Research, the Catholic Contribution. London: The Month, December 1957.
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  1. maquart, f.: Paris: Études Carmelitaines, 1948.
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